Por Adiel Teófilo.
As igrejas evangélicas em nosso país podem funcionar de
forma independente umas das outras, mas também podem estabelecer vínculos entre
si formando instituições coletivas. Assim, do ponto de vista da autonomia
administrativa, estão organizadas basicamente de duas formas distintas, descritas a seguir.
Das igrejas autônomas e
das igrejas vinculadas
As igrejas autônomas
são aquelas que foram criadas com
personalidade jurídica própria e funcionam com absoluta independência em
relação às demais. Não possuem qualquer vinculação administrativa ou eclesiástica
com outras instituições religiosas, ainda que utilizem denominação evangélica
idêntica por comungarem do mesmo credo religioso.
As igrejas
vinculadas foram criadas de modo integrado a uma denominação, formando um só
grupo de igrejas filiadas, chamadas também de congregações, as quais podem ter
ou não personalidade jurídica própria, porém estão subordinadas a uma igreja sede
ou matriz. Esta, por sua vez, exerce o controle administrativo, financeiro e
patrimonial sobre as igrejas filiadas, em razão de disposições estatutárias instituídas
originariamente na criação dessas unidades vinculadas.
Da liberdade de
filiação
Importante analisar a condição das igrejas em face da
liberdade de filiação. As igrejas
autônomas possuem ampla liberdade de filiação. Podem estabelecer vínculos
com outras instituições, mas também podem a qualquer momento romper com essas ligações,
promovendo a sua desfiliação. Isso, em razão do princípio da liberdade associativa,
previsto no art. 5º, inc. XX, da Constituição Federal/1988 (CF/88), que
assegura: “ninguém poderá ser
compelido a associar-se ou a permanecer associado;”.
Ao contrário disso, as
igrejas vinculadas têm certas restrições. Não podem por iniciativa própria promover
o desligamento em razão dos vínculos originários da sua criação como parte
integrada ao todo. A autonomia somente poderá ser concedida por iniciativa da
sede ou matriz, desde que observado o procedimento previsto em estatuto ou em
ata deliberativa do órgão competente para conceder a autonomia. Exemplo disso,
ao empresário que instituir sucursal, filial ou agencia da empresa é que cabe destituir
ou repassa-la a terceiro.
Do estatuto único e da
pluralidade de estatutos
Por outro lado, o conjunto de igrejas vinculadas entre si
pode ser organizado em entidade de representação coletiva designado por ministério ou convenção. Considerando a quantidade e a localização dessas igrejas
filiadas, as convenções ou ministérios podem ser de âmbito regional, estadual
ou nacional. No que concerne ao estatuto dessas organizações coletivas, podem
ocorrer duas hipóteses.
Convenção ou ministério que possui estatuto único. Nesse caso, as normas estatutárias são aplicadas a todas
as igrejas e congregações vinculadas, as quais não possuem individualmente estatuto
nem personalidade jurídica própria. Juntas, formam uma só organização religiosa,
simultaneamente com a igreja sede ou matriz, de modo que todas as entidades
vinculadas utilizam o mesmo Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ), por se
sujeitarem a um mesmo estatuto.
No caso de pluralidade
de estatutos, cada igreja local tem seu estatuto e personalidade jurídica
própria, distinta das demais. No entanto, o estatuto de cada igreja filiada contém
normas que estabelecem a natureza da vinculação com a igreja central, conforme
critérios originariamente instituídos no estatuto da entidade coletiva. Dessa
forma, cada igreja filiada tem seu próprio CNPJ.
Do conflito de normas
estatutárias
Ocorrendo a pluralidade de estatutos, cada igreja filiada elabora
seu próprio ato constitutivo. Nesse caso podem ocorrer conflitos de normas entre o estatuto da igreja local e o estatuto da entidade
de representação coletiva. Surge então a necessidade de se exercer o controle de normas estatutárias,
visando promover a adequação entre as disposições do estatuto local e os
preceitos estatutários de âmbito geral.
Embora casos dessa natureza não sejam tão comuns no
cotidiano das igrejas, podem surgir em qualquer denominação. Como exemplo,
ocorreu uma situação de conflito estatutário envolvendo uma Convenção Estadual
no Nordeste do país, quando auxiliamos na resolução mediante a elaboração de
parecer jurídico. Esse fato ensejou a redação do presente artigo, sendo aqui
reproduzidas as principais orientações contidas no aludido parecer.
Dos vínculos entre
igrejas filiadas e igreja sede, ministério ou convenção
Diante do conflito de normas estatutárias, faz-se necessário
preliminarmente identificar a natureza dos
vínculos existentes entre a igreja filiada, que editou a norma conflitante,
e a sede, convenção ou ministério, que possui ascendência sobre aquela filiada.
O exame cuidadoso do estatuto e das atas anteriores, desde a data em que foram
criadas as instituições, pode oferecer histórico com subsídios concretos capazes
de demonstrar a vinculação jurídica existente entre as entidades religiosas.
Esses vínculos devem
constar expressamente do estatuto e podem apresentar diferentes naturezas,
conforme foram estabelecidos na origem entre as igrejas filiadas e a respectiva
entidade coletiva. Seguem alguns exemplos de vínculos: 1) administrativos: para fins de controle da gestão administrativa,
financeira e patrimonial; 2) eclesiásticos:
visam a formação, ordenação e movimentação de Pastores, Obreiros e demais líderes,
bem como a unidade teológica e doutrinária da denominação; e, 3) colaborativos: com vistas ao apoio e
auxílio mutuo entre as igrejas ligadas por laços de fraternidade e cooperação.
Convém ressaltar que as igrejas são livres para estabelecer
qualquer desses vínculos ou todos eles simultaneamente. Além disso, tais
vínculos podem apresentar maior ou menor abrangência no âmbito da instituição
religiosa. Tudo depende da forma de organização administrativa e eclesiástica que
foi instituída pela entidade de representação coletiva, que preestabelece os
parâmetros da vinculação por meio de normas
estatutárias gerais. Essas normas são de cumprimento obrigatório por parte
das igrejas filiadas e se constituem no principal
fundamento jurídico para viabilizar o controle de adequação das normas
estatutárias em conflito. A título de exemplo dessas normas gerais,
transcreve-se a seguir disposições extraídas do Estatuto da Convenção Estadual
onde ocorreu o conflito estatutário que mencionamos acima:
Art. 11. Os Estatutos e
Regimentos Internos das Igrejas filiadas disporão sobre o seu vínculo com a Convenção
[...], em nível estadual, e, com a Convenção [...], em nível nacional.
[...]
§ 3o
Os Estatutos e Regimentos das Igrejas filiadas e instituições reconhecidas, não
poderão contrariar disposições estatutárias e regimentais da Convenção [...].
Do controle de
adequação das normas estatutárias e do procedimento
Identificados os vínculos e sua natureza, o passo seguinte
é apontar com precisão os dispositivos inseridos no estatuto da igreja filiada
que apresentam contrariedade em face das normas estatutárias da entidade de
representação coletiva. Pode-se elaborar nesse sentido parecer jurídico esclarecendo
minuciosamente as disposições que devem ser impugnadas em razão da
contrariedade, bem como os preceitos estatutários da organização coletiva que em
tese foram violados.
De posse desse documento de consultoria
jurídica, a sede, ministério ou convenção, pode instaurar procedimento
administrativo interno visando promover a análise e o julgamento da adequação
das normas estatutárias em conflito. Ainda que o estatuto ou o regimento
interno não disponha expressamente acerca desse procedimento de controle, nada obsta a sua instauração pela
instituição colegiada. Trata-se de medida administrativa exercida com a finalidade
de fazer cumprir integralmente o seu próprio estatuto, corrigindo excessos ou
desvios cometidos por igreja filiada na elaboração ou reforma do estatuto vinculado.
Convém destacar que durante todo o procedimento
de controle devem ser assegurados todos os meios legítimos de defesa, conforme
estabelece o art. 5º, inc. IV, da CF/88: “aos litigantes, em
processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;”.
Instaurado
o procedimento de controle de adequação das normas estatutárias, a igreja
filiada deve ser cientificada na pessoa do seu presidente ou representante legal.
A comunicação por escrito conterá os dados que se seguem, dentre outros
considerados relevantes:
a) informações sobre a instauração do sobredito procedimento de
controle e sua finalidade;
b) indicação precisa das normas ou expressões contidas no estatuto
da igreja filiada que estão sendo impugnadas por apresentar contrariedade ao estatuto
da sede, ministério ou convenção, apontando ainda quais são as disposições que
em tese foram violadas;
c) fixação de prazo razoável para o oferecimento de defesa escrita
por parte da igreja filiada; e,
d)
advertência de que a falta dessa resposta no prazo fixado implicará em revelia.
Apresentada
ou não a resposta escrita, deve-se prosseguir na instrução do procedimento.
Para isso, convém juntar documentos, tomar depoimentos se preciso for e adotar
outras medidas necessárias ao completo esclarecimento do caso. E aqui cabe
recordar que visando assegurar a ampla defesa e o contraditório, a igreja
filiada deve ser intimada de cada uma das providências realizadas no decorrer
da instrução do procedimento.
Vencida
essa fase, segue-se o julgamento. O procedimento será cuidadosamente analisado
e a decisão final proferida pelo órgão competente. Para tanto, precisa declarar
se aquelas normas inicialmente impugnadas apresentam ou não contrariedade em
face do estatuto da entidade coletiva. Pode declarar ainda, caso oportuno e conveniente,
a ineficácia das normas impugnadas, com efeito ex tunc - significa dizer que as normas declaradas contrárias ao
estatuto perdem a sua eficácia desde a data da sua edição, não produzindo desde
então os efeitos que pretendiam produzir.
O inteiro teor dessa decisão final constará em
ata, que será levada ao registro público em Cartório. Esse ato visa assegurar a
publicidade da decisão, para que produza os jurídicos e legais efeitos. Cópia
dessa ata com registro será encaminhada à igreja filiada, para conhecimento e
adoção de medidas visando sanar as contrariedades apontadas, com a fixação de
prazo razoável para promover as reformas no seu estatuto. Caso isso não ocorra no
prazo fixado, a sede, ministério ou convenção, poderá intervir diretamente na
igreja filiada através da aplicação de mecanismos estatutários ou regimentais, ou
ainda, na ausência desses mecanismos ou impossibilidade de sua aplicação, propor
ação judicial por intermédio de advogado exigindo a efetivação da reforma e
adequação estatutária.
Diante do exposto, conclui-se que a organização
religiosa de representação coletiva exerce controle sobre as entidades a ela filiadas.
Isso decorre de diferentes vínculos
jurídicos, históricos e institucionais, originariamente estabelecidos entre
elas. A natureza dessa vinculação pode determinar inclusive que certas igrejas
filiadas tornem-se indissociáveis, bem como obrigar que os seus atos
constitutivos guardem conformidade com as disposições estatutárias gerais. Surgindo
alguma norma que fere a vinculação ou apresente contrariedade total ou parcial em
face dos preceitos estatutários gerais, a igreja sede, ministério ou convenção,
tem o poder-dever de adotar medidas visando sanar essas irregularidades. Enfim,
poderá para tanto instaurar procedimento de controle de adequação das normas
estatutárias, assim como empregar mecanismos estatutários e regimentais disponíveis
ou buscar a tutela judicial específica quando necessário, a fim de fazer
cumprir o seu estatuto e restabelecer a harmonia entre instituições religiosas
vinculadas.
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