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sexta-feira, 15 de agosto de 2014

A IGREJA DENTRO DA LEI - Direito de Associação

 Por Adiel Teófilo.
 
As igrejas em nosso país usufruem relativamente bem do direito ao livre exercício dos cultos religiosos, no entanto muitas não conhecem e nem aplicam adequadamente o direito de associação. É preciso conhecê-lo melhor, através da legislação em vigor, a fim de fazer valer todas as prerrogativas legais no âmbito das atividades eclesiásticas.
 
Existem diversas atividades desenvolvidas pelas igrejas que podem ser aprimoradas e até mesmo ampliadas, por meio de uma associação instituída para se dedicar exclusivamente a essas finalidades. Podemos citar como exemplo, as atividades de assistência social, educacional, recuperação de viciados, atividades evangelísticas e missionárias, dentre outras. As associações voltadas para esses fins podem ser constituídas por membros e congregados da própria igreja, além de pessoas da comunidade, conforme critérios a serem estabelecidos no Estatuto.
 
Há igrejas, principalmente localizadas em grandes centros urbanos, que possuem membros capacitados, recursos financeiros disponíveis e espaços físicos que permanecem ociosos durante toda a semana. Apesar dessas disponibilidades, não desenvolvem nenhum programa ou ação social, voltando-se apenas para os cultos semanais e o uso dominical de algumas salas, subutilizando assim o imóvel que poderia servir melhor à sociedade.
 
No tocante ao direito de associação, a sua principal fonte é a Constituição Federal de 1988. No seu artigo 5º, incisos XVII a XXI, estão previstas as garantias fundamentais para o exercício desse direito na vida em sociedade: o inciso XVII assegura que é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar;”; o inciso seguinte afirma que é livre a criação de associações, sendo que o Estado não pode interferir no seu funcionamento; o inciso XIX estabelece que as atividades das associações só podem ser suspensas por força de decisão judicial, e a dissolução compulsória das associações só pode ocorrer após sentença judicial transitada em julgado, isto é, sentença que não cabe mais recurso; o inciso XX garante importante liberdade individual: “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado;”; e o inciso XXI preconiza que “as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente;”.
 
O artigo 5º, inciso LXX, da Constituição Federal, institui outra garantia em favor das associações. Prescreve que a associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano poderá impetrar o mandado de segurança coletivo, em defesa dos interesses dos seus associados. Convém ressaltar, para o exercício dessa prerrogativa, que no estatuto poderá constar autorização expressa para a associação representar os seus filiados judicial e extrajudicialmente, conforme dispõe o inciso XXI, acima transcrito. 
 
Existem ainda no texto Constitucional outras disposições relacionadas ao tema. O artigo 29, inciso XII, preceitua que a Lei Orgânica do Município deverá conter, dentre outras disposições, mecanismo que assegure a cooperação das associações representativas no planejamento municipal. No artigo 74, § 2º, está previsto que “Qualquer cidadão, partido político, associação ou sindicato é parte legítima para, na forma da lei, denunciar irregularidades ou ilegalidades perante o Tribunal de Contas da União.”.
 
A par desses dispositivos Constitucionais, importante conhecer também a legislação infraconstitucional sobre a matéria. A Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002, que institui o Código Civil, enumera no artigo 44 as pessoas jurídicas de direito privado, incluindo nesse rol as associações, constituídas entre os particulares. Elas não se confundem com as associações de caráter público, classificadas como pessoas jurídicas de direito público interno, previstas no artigo 41, inciso IV, do Código Civil.
 
As disposições gerais relativas à criação das associações constam dos artigos 45 a 52, do Código Civil. Destaca-se dentre essas disposições, que a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado começa com a inscrição do ato constitutivo, que é o estatuto, no Cartório de Registro das Pessoas Jurídicas da localidade onde a associação estabelecerá a sua sede. Esse registro é efetuado com amparo no artigo 114, inciso I, da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973, que dispõe sobre os registros públicos. A partir de então, deverão ser averbadas nesse Cartório todas as alterações promovidas no estatuto.
 
O artigo 46 do Código Civil enumera as informações que deverão constar do registro, a saber: “I - a denominação, os fins, a sede, o tempo de duração e o fundo social, quando houver; II - o nome e a individualização dos fundadores ou instituidores, e dos diretores; III - o modo por que se administra e representa, ativa e passivamente, judicial e extrajudicialmente; IV - se o ato constitutivo é reformável no tocante à administração, e de que modo; V - se os membros respondem, ou não, subsidiariamente, pelas obrigações sociais; VI - as condições de extinção da pessoa jurídica e o destino do seu patrimônio, nesse caso.”. Consequentemente, esses dados devem ser inseridos na ata de criação ou no estatuto da associação, subscrito por Advogado, cujos documentos serão levados simultaneamente a registro.
 
As regras específicas sobre as associações se encontram nos artigos 53 a 61, do Código Civil. O artigo 53 contém a definição legal: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos.”. O artigo seguinte especifica os preceitos que devem constar do estatuto, sob pena de nulidade: “I - a denominação, os fins e a sede da associação; II - os requisitos para a admissão, demissão e exclusão dos associados; III - os direitos e deveres dos associados; IV - as fontes de recursos para sua manutenção; V – o modo de constituição e de funcionamento dos órgãos deliberativos; VI - as condições para a alteração das disposições estatutárias e para a dissolução; VII – a forma de gestão administrativa e de aprovação das respectivas contas.”. 
 
Dentre as demais regras específicas, convém ressaltar as seguintes. O artigo 57 preconiza que a exclusão do associado só é admissível havendo justa causa, assim reconhecida em procedimento que assegure direito de defesa e de recurso. De acordo com o artigo 59 e seu Parágrafo único, compete privativamente à assembleia geral dos associados, convocada especialmente para estes fins, destituir os administradores e alterar o estatuto, conforme quórum estabelecido no estatuto, o qual deverá prever ainda os critérios para a eleição dos administradores. Conforme artigo 60, deve ser garantido a 1/5 (um quinto) dos associados o direito de promover a convocação dos órgãos deliberativos. E por fim, o artigo 61 estatui algumas regras para a hipótese da associação ser dissolvida por deliberação dos associados. 
 
Essas são as principais normas a serem observadas na criação e registro de uma associação. Não obstante, outros Diplomais Legais podem ser aplicados às associações, considerando sua finalidade e campo de atuação. Salienta-se nesse sentido a Lei nº 9.790, de 23 de março de 1999, que dispõe sobre os requisitos para a qualificação das pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP, bem como institui e disciplina o Termo de Parceria. Essa Lei foi regulamentada pelo Decreto nº 3.100, de 30 de junho de 1999.
 
Esse Termo de Parceria cuida-se de um instrumento a ser firmado entre as entidades qualificadas como OSCIP e o Poder Público. Destina-se à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no artigo 3º da supracitada Lei. Dentre essas atividades destacamos as seguintes: “promoção da assistência social; promoção gratuita da educação; promoção gratuita da saúde; promoção da segurança alimentar e nutricional; promoção do voluntariado; promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos  e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; e promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;”. Como se percebe, tratam-se de áreas sociais, nas quais as associações podem desenvolver relevante trabalho em parceria com o Poder Público. 
 
Diante de todo o exposto, resta apenas enfatizar que as igrejas podem criar livremente associações, com a precípua finalidade de desenvolver atividades sociais não lucrativas. A criação dessas entidades com estrutura própria poderá contribuir para aprimorar e até ampliar as ações e programas que certas igrejas desenvolvem de forma incipiente ou improvisada. O campo social é fértil e está branco para a ceifa. Falta apenas arregimentar os ceifeiros que se disponham a trabalhar, desde membros mais novos até ministros religiosos mais antigos. Porque a fé sem obras é morta.

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