Assédio moral na igreja: alerta e
prevenção
O ambiente
eclesiástico não está imune e as consequências podem ser trágicas
Por Robson Ramos
Este breve artigo tem como objetivo chamar atenção para um tipo de conduta, nos
ambientes eclesiásticos que não é tão incomum como possa parecer: assédio
moral.
As
consequências do assédio moral, e de outras condutas igualmente perniciosas que
normalmente acompanham o assédio, podem levar à depressão, crises de
pânico e ansiedade. Em situações extremas pode levar ao suicídio.
Ainda
que a legislação brasileira esteja aí para proteger as pessoas no ambiente de
trabalho, muitas vítimas enfrentam dificuldades para denunciar e chamar à
responsabilidade os autores desse tipo de violência, sobretudo no ambiente
eclesiástico.
Caso # 1
O
que dá mexer com gente poderosa na igreja
Um
pastor havia assumido o pastorado de uma importante igreja e pouco tempo depois
chegou ao seu conhecimento que um dos integrantes de sua equipe, líder de um
dos ministérios, tinha cometido adultério e, para piorar as coisas, era
reincidente. Diante disso o pastor sênior, recém-contratado, recomendou ao
presbitério o afastamento desse líder.
O
pastor, no entanto, não sabia que o líder em questão era da família mais
influente da igreja. Não apenas isso, o coordenador do presbitério era o chefe
desse influente clã familiar.
Nessa
hora as ligações familiares falam mais alto. O tal coordenador do presbitério
influenciou todo o presbitério no sentido de afirmar que o pastor não tinha
provas do que estava falando. No frigir dos ovos o pastor acabou sendo
demitido, descobrindo mais tarde que durante todo o período em que esteve à
frente daquela comunidade não teve os valores relativos à sua Previdência
Social devidamente recolhidos. O tesoureiro havia sido orientado pelo
coordenador do presbitério – aquele mesmo que era o líder do clã - a não fazer
os recolhimentos. Aquilo acabou prejudicando sobremaneira a contagem de tempo
para a sua aposentadoria.
Caso
# 2
O
estrago que faz o ciúme de um chefe
Um
pastor mais jovem vai para um outro país, para atuar auxiliar um ministério que
está sob a responsabilidade de um pastor que está no local há algum tempo,
porém sem resultados expressivos no trabalho.
Depois
de algum tempo as atividades do pastor auxiliar começaram a gerar resultados
mais alvissareiros, do que o que vinha sendo desenvolvido há mais tempo pelo
pastor mais antigo que, logo foi ficando com ciúmes do carinho e respeito que o
pastor auxiliar, recém-chegado, recebia das pessoas.
Não
demorou muito e o pastor sênior, enciumado, passou a falar de forma
depreciativa do pastor mais jovem. Tudo indicava que, no mínimo, o intuito era
criar certo desconforto e forçar sua saída.
Como
consequência, o pastor auxiliar teve suas atividades encerradas, por uma
decisão unilateral do chefe. As únicas alegações eram de que o rapaz estava
introduzindo ideias e práticas incompatíveis com a tradição daquela
denominação. Simples assim.
Com
filhos pequenos matriculados na escola, a família segue na mesma localidade,
sem trabalho, com contas pra pagar e com o sustento – que vem do Brasil –
comprometido. Não sabem se ficam naquele país ou se voltam para o Brasil, pra
recomeçar a vida, com a pecha de encrenqueiro. Na realidade a pecha de
encrenqueiro poderá segui-lo por onde quer que vá, graças à campanha feita pelo
pastor que o recebera tão bem, num primeiro momento.
Caso
# 3
O
mal causado por uma carniça desenterrada
Numa
outra situação, após um longo e minucioso processo – como é comum na
contratação de alguém para um cargo importante – um pastor estava em vias de
ser oficializado como pastor sênior numa igreja famosa, numa grande capital.
Providências
relacionadas com moradia e transferência de escola para os filhos já estavam
bem alinhadas. As bases da contratação, de ambos os lados, já estavam
acertadas. Finalmente, após praticamente um ano, depois de concluído o processo
de contratação do novo pastor e a congregação devidamente informada, era grande
a convicção de que tinham feito a melhor escolha. Até que, surgiu algo
absolutamente inimaginável e o mundo veio abaixo.
Alguém,
da equipe de liderança da igreja, desenterrou algo do passado do novo pastor
que, supostamente, o desabonaria para assumir o cargo de pastor sênior, para o
qual estava sendo contratado.
É
preciso dizer alguma coisa sobre a confusão que se instalou? De quem era a
responsabilidade por tudo aquilo? Teria o “abençoado irmão” – integrante do
colegiado – agido corretamente ao divulgar aos “quatro ventos” uma situação que
já estava enterrada e, pelo que se apurou, resolvida?
O
que dizer dos danos morais e materiais causados ao pastor que viu seu
ministério pastoral, presente e futuro, comprometido?
Tudo
por causa da atitude de uma única pessoa que, sabe-se lá com que motivação,
achou que tinha o direito e o dever de se envolver com um assunto que não lhe
dizia respeito, mas que achou que estava falando em nome da igreja.
Casos
de assédio moral na igreja não são incomuns
Situações
como as acima apresentadas, e que podem ensejar alguma responsabilização por
“assédio moral”, e por outros delitos, não são incomuns. Relatos sobre
comportamentos desse tipo grassam por toda parte. O ambiente eclesiástico é
pródigo nisso, mas, convenhamos, pouco ou nada se fala sobre o assunto.
A
jornalista Marília de Camargo Cesar, discorrendo sobre os “feridos em nome de
Deus”, escreve 1:
“Na
prática, o abuso ocorre de formas variadas, umas escancaradas, outras sutis.
Ser tachado de rebelde ou de insubordinado apenas por ter resistido a uma ordem
pastoral, por discordar dela, é um exemplo de abuso. [...] É ser humilhado
inúmeras vezes diante de terceiros. Ser exposto como alguém alheio à visão do
corpo, do “mover do Espírito”, para usar um jargão bem evangélico”.
No
livro de Marília, verifica-se como pessoas incautas e vivendo uma condição de
vulnerabilidade são “habilmente capturadas pela manipulação emocional de
líderes medíocres de plantão ... [...] mais cedo ou mais tarde o castelo de
cartas desmorona deixando feridas abertas pelo caminho”.
Assédio
moral no Código Penal
Os
relatos acima remetem à conduta descrita no artigo 146-A, do Código Penal
Brasileiro, que assim define o que seja o Assédio Moral: “Ofender a
dignidade de alguém, causando-lhe dano ou sofrimento físico ou mental, no
exercício de emprego, cargo ou função”.
Para
ser “assédio moral”, nos termos do Código Penal, é preciso que a conduta ocorra
no ambiente de trabalho, particularmente no contexto de relações hierárquicas,
e de forma reiterada. Isso não significa, no entanto, que as condutas tenham
que ocorrer entre as “quatro paredes” do escritório.
Vale
lembrar que o “assédio moral” pode se configurar via mensagens de e-mail e/ou
em eventos e compromissos sociais, jantares ou conferência da igreja ou
organização missionária.
Toda
vez que uma conduta abusiva que viole a integridade psíquica, física e a
dignidade de uma pessoa, no ambiente de trabalho, é praticada de forma
reiterada, está-se diante de “assédio moral”. Isso pode ocorrer de várias
maneiras, seja por atitudes, palavras e até mesmo mensagens enviadas. Às vezes
é dirigido a uma ou mais pessoas, também com fins discriminatórios, ocorrendo
de maneira repetitiva e gradativa.
Numa
análise do assédio moral, Vladimir Passos de Freitas e Charles Giacomini,
ensinam 2:
“O
assédio moral está presente em empresas e instituições que ainda não chegaram à
cultura de integridade, que é um requisito para a dignidade profissional. Seu
enfrentamento se dá pelo estabelecimento de standards mínimos para as relações
humanas no ambiente de trabalho (físico ou virtual)”.
Condutas
que podem caracterizar “assédio moral”
• Desqualificar
o trabalho e contribuição do funcionário, especialmente se publicamente;
• Retirar o trabalho injustificadamente, caracterizando uma situação de ócio;
• Deixar o assediado numa situação de isolamento perante a equipe;
• Ignorar a presença da pessoa na frente de outros colegas;
• Fazer perguntas indicativas de que seu tempo na organização está chegando ao
fim. Exemplo: “você já pensou no que vai fazer quando deixar de trabalhar
aqui?”
• Delegação de tarefas sem interesse ou afinidade com as habilidades e formação
do funcionário;
• Cobranças abusivas e impróprias;
• Aproveitar-se de momentos a sós com a vítima para fazer investidas indevidas;
• Pedir para o(a) colaborador(a) fazer hora-extra e fazer comentários de cunho
pessoal, tais como: “este vestido fica muito bem em você”, “esse corte de
cabelo te deixa ainda mais bonita”; “Se você puder trabalhar até mais tarde eu
posso te dar uma carona até sua casa.”
É
necessário ressaltar que a incidência de comportamentos como os acima elencados
indica a necessidade de uma averiguação aprofundada da situação, por parte da
diretoria da organização, e não por uma pessoa apenas, já que a conduta
assediadora pode estar partindo justamente do gerente ou do líder principal que
certamente fará vista grossa e tentará colocar panos quentes.
Essas
práticas afetam as pessoas de maneiras diferentes. Em razão da angústia gerada
pelas experiências abusivas surge a depressão, estresse e alterações no
comportamento. Inevitavelmente tais ocorrências afetam todo o ambiente de
trabalho.
O
combate ao assédio moral no ambiente de trabalho, seja na igreja, na
organização missionária, na editora cristã e/ou numa instituição de ensino
teológico, é fundamental para prevenir e reduzir a possibilidade de ações
judiciais e danos causados à reputação das partes envolvidas.
Conclusão
Seguramente
o tema não se esgota com o artigo ora apresentado. É preciso prevenir, detectar
e lidar com situações de assédio moral na igreja, na agência missionária, numa
instituição de ensino teológico e entidades afins.
Por
isso é fundamental cultivar um ambiente mais saudável e seguro de se trabalhar
e servir, qualquer que seja o vínculo com a organização da qual você faz parte,
independentemente de você ser um pastor, missionário, funcionário com carteira
assinada ou um voluntário.
A
implementação de um programa de combate ao assédio é o caminho seguro como
forma de zelar pelo ambiente de trabalho e bem-estar dos que estão à nossa
volta, com medidas que visem a transparência e fortalecimento do ambiente da
organização.
Notas
1. CESAR, Marília de Camargo. Feridos em Nome de Deus,
Editora Mundo Cristão, São Paulo, 2009), p. 32, versão Kindle.
2. FREITAS, Vladimir Passos e GIACOMINI, Charles. Assédio moral sob diferentes aspectos. Acessado
em 15/03/2025.
Imagem: Unsplash.
Robson Ramos é
advogado e mediador em conflitos organizacionais. Mestre em Direito pela
UNIVALI/Itajaí, SC. Ex-Assessor da ABU e ex-Diretor Nacional da Sociedade
Bíblica Internacional, responsável pela publicação da Bíblia NVI, em 2001.
Organizador e coautor de A Nova Face da Missão: desafios plurais para
um mundo em convulsão (Descoberta Editora, Londrina, 2024);
organizador e coautor de Compliance para micro, pequenas e médias empresas (Editora
D´Plácido, BH, 2023), e autor de Evangelização no Mercado Pós Moderno (Ultimato,
Viçosa, 2003). Reside em Bombinhas, SC.
Disponível em: < https://www.ultimato.com.br/conteudo/assedio-moral-na-igreja-alerta-e-prevencao
> Acesso em: 09 Abr 2025.
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