Por
Adiel Teófilo.
Requisitos legais de validade das doações dos fiéis e os vícios que podem causar a anulação dessas doações.
É
de conhecimento geral que as igrejas evangélicas costumeiramente pedem aos seus
fiéis que contribuam com dízimos e ofertas, além de outras formas de doação. O
principal argumento que se utilizam para justificar esses pedidos é a
necessidade de manter o funcionamento das atividades regulares da igreja,
custeando as despesas de manutenção, limpeza e conservação, bem como a
remuneração dos seus líderes e de funcionários contratados, dentre vários outros
encargos eclesiásticos.
Não
obstante ser muito comum essa prática, a reflexão sobre a legitimidade dessas
doações conduz inevitavelmente a alguns questionamentos, tais como: será que todas as doações efetuadas pelos
fiéis são juridicamente válidas? As igrejas podem empregar quaisquer meios
para pedir doações? As entidades religiosas podem se utilizar livremente dos bens
e valores doados para qualquer finalidade, inclusive para fins diferentes
daquele que foi apresentado quando se pediu os dízimos e as ofertas? Essas
indagações serão respondidas mediante uma abordagem eminentemente jurídica, e
não teológica, pois o presente estudo enfoca o cumprimento da lei por parte das
igrejas evangélicas.
Desse
modo, importante considerar que as ofertas, dízimos e demais contribuições,
sejam em dinheiro, bens móveis ou imóveis, que os fiéis doam para as igrejas, caracterizam-se
juridicamente como contrato de doação.
Essa espécie contratual está conceituada no art.538, do Código Civil - Lei nº
10.406, de 10/01/2002, que assim preconiza: “Considera-se doação o contrato em
que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens
para o de outra.”.
Ressalta-se que todos os artigos doravante mencionados são do Código Civil de
2002.
Diante
disso, essa relação contratual no âmbito das igrejas precisa ser analisada sob dois
ângulos diferentes: de um lado, a conduta
da entidade religiosa que pede e aplica as doações, e, de outro, a condição da pessoa que faz a doação e a natureza
dos seus bens e valores que serão doados. É bem verdade que sem as duas
partes, doador e donatário (pessoa que recebe a doação), o processo não se
completa, porém há aspectos relevantes que precisam ser considerados separadamente,
visando compreender melhor a regularidade das doações destinadas às igrejas.
Iniciemos pela condição
do doador.
Indaga-se: toda pessoa pode doar o que bem quiser? A resposta mais comum é sim. Dizem que a pessoa pode doar tudo, desde que esteja doando aquilo que lhe pertence. No
entanto, do ponto de vista legal, para que a doação tenha validade como
negócio jurídico é necessário que atenda aos requisitos previstos em lei. O
primeiro desses requisitos é a capacidade civil, prevista no art. 104,
inciso I. Significa dizer que a pessoa do doador deve ter pelo menos 18 anos
completos, quando então fica habilitada para a prática de todos os atos da vida
civil, conforme art. 5º, podendo figurar normalmente como doador dos seus bens.
Surge
então a seguinte pergunta: como ficam as
ofertas em dinheiro entregues nas igrejas por crianças, adolescentes e jovens menores
de 18 anos? A resposta requer a análise da capacidade civil do doador.
Vejamos. Os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes
de exercer pessoalmente os atos da vida civil, de acordo com o art. 3º. Qualquer
negócio jurídico por eles eventualmente celebrado é considerado nulo, de
nenhuma validade, consoante art. 166, inc. I. Logo, não podem agir sozinhos
como doadores. Precisam da figura do representante para atuar em nome deles.
Quanto aos maiores de
16 e menores de 18 anos, ainda não emancipados, são considerados relativamente
incapazes no tocante a certos atos da vida civil ou à maneira de exercer
esses atos, segundo regra do art. 4º, inc. I. O negócio por eles praticado é
anulável, pode ser anulado, conforme art. 171, inc. I. Isto é, o negócio permanece
válido a partir de sua celebração, contudo pode ser anulado em razão da falta
da capacidade civil plena. Por isso, não podem igualmente atuar sozinhos como
doadores. Devem ser assistidos por alguém que seja civilmente capaz.
A
fim de proteger o interesse dos menores, o art. 1.630 estabelece que os filhos
estão sujeitos ao poder familiar exercido pelos pais enquanto menores de 18 anos
de idade. Por essa razão, o art. 1.534, inc. VII, confere aos pais plenos poderes, tanto para representar os filhos
menores 16 anos, quanto para assistir os maiores de 16 e menores de 18 anos.
Isso, em todos os atos da vida civil que se fizerem necessários, a fim de suprir
o consentimento que esses menores não podem validamente expressar na celebração
de qualquer contrato.
Aplicando esses
conceitos ao cotidiano das igrejas, podemos constatar o seguinte. Os pais ou
responsáveis, via de regra, presenciam as liturgias nas igrejas e têm não
apenas o conhecimento, mas também manifestam o consentimento, ainda que de
forma tácita, quanto às doações efetuadas por seus filhos menores. Não raras
vezes, os próprios pais lhes fornecem esses recursos financeiros, ensinando-os na
prática da liberalidade, generosidade e amor ao próximo. Assim sendo,
inevitável é concluir que as pequenas ofertas e contribuições em dinheiro,
apresentadas nas igrejas por crianças e adolescentes, são doações juridicamente
válidas. O cuidado que se deve ter é quando a doação é notoriamente de grande
valor e o menor não se faz acompanhar do seu representante ou assistente legal.
Ainda
sob o ângulo do doador está a apreciação referente à natureza dos bens e valores que são doados. E aqui entra o segundo
requisito para que o negócio jurídico seja realmente válido: o objeto da doação
deve ser lícito, possível, determinado ou determinável, conforme art. 104,
inc. II. O ato negocial que não cumprir esse requisito será consequentemente
nulo, sem validade jurídica, consoante art. 166, inc. II. Assim sendo, objeto lícito é aquele que está de
acordo com a lei, a moral e os bons costumes. Decorre disso que o bem ou valor
a ser doado não pode ser de origem ilícita, a exemplo de dinheiro proveniente
de furto, roubo ou tráfico de drogas. Obviamente que não se questiona a origem
das pequenas importâncias em dinheiro ofertadas nas igrejas, entretanto não se
pode aceitar ofertas vultosas sem questionar sua procedência, sob pena de estar
concorrer para a prática de crime.
No
que concerne ao objeto ser possível,
trata-se daquele que é realizável, praticável, pois não se pode doar aquilo que
é impossível de se transferir para o patrimônio de outra pessoa. Exemplo disso
é doar um terreno no céu. Objeto
determinado é aquele que pode ser estipulado, especificado, pelo gênero, quantidade
e qualidade, como a doação de certo veículo. Determinável é o objeto incerto, descrito apenas por elementos
mínimos quanto ao gênero e quantidade, para individualização no futuro, como
doar parte de uma safra de cereais sem saber da qualidade do grão.
Além
desses requisitos referentes ao objeto da doação, existem normas que limitam o volume total de bens ou valores a serem doados.
É o caso do art. 548, que considera nula a doação de todos os bens do
doador, sem que reserve para si uma parte de bens ou renda que sejam
suficientes para a sua própria subsistência. Por isso não terá validade a
doação integral de salário ou aposentadoria se o doador depender disso para sobreviver,
podendo ser exigida a restituição dos valores.
Outra limitação é a do art.
2.007, que estabelece a possibilidade de reduzir as doações quando constatar
que o doador se excedeu quanto aos bens que realmente poderia dispor. Esse
preceito tem por finalidade proteger inclusive o direito dos herdeiros
necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), pois a eles pertence de
pleno direito a metade dos bens da herança, conforme preceituam os art. 1.845 e
1.846. Nota-se, em face dessas normas legais, que o doador não pode
simplesmente doar tudo o que possui, atitude que não deve ser aceita nem
incentivada pelas igrejas por ser contrária à lei.
O
terceiro requisito para a doação ter validade como negócio jurídico é que obedeça
a forma que a lei prescreve ou a forma que a lei não proíbe para a sua
realização,
segundo o art. 104, inc. III. O art. 541 determina que a doação será feita por
meio de escritura pública, como é o caso dos imóveis, ou instrumento
particular, no caso de bens móveis. O Parágrafo único do art. 541 assegura que
a doação verbal será válida, quando se tratar de bens móveis de pequeno valor e
o doador entregar de imediato o bem doado para o donatário. Por essa razão são
perfeitamente válidas as doações de objetos, utensílios e outros bens móveis de
pequeno valor que os fieis fazem em favor das igrejas sem qualquer documento
escrito.
Vamos
analisar agora a conduta da entidade religiosa que pede e aplica as
doações. As igrejas possuem
ampla liberdade para estabelecer a sua forma de organização, sua estruturação
interna e o seu modo de funcionamento, conforme art. 44, § 1o. Com suporte nesse dispositivo, as igrejas são
livres também para definir a maneira mais conveniente e oportuna de pedir as
doações, seja em dinheiro, bens ou valores. Todavia, por se estabelecer na doação
um contrato, os participantes dessa relação contratual (o fiel como doador e a
igreja como donatária) estão obrigados a guardar, tanto no momento da
celebração do contrato quanto na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé, por força do art. 422. Lembrando que probidade é honestidade, retidão
ou integridade de caráter, e, boa-fé é sinceridade, lisura e confiança
recíproca entre as partes.
Percebe-se em vista desses princípios que não basta a simples
manifestação de vontade do doador, no sentido de doar um bem ou valor para a
igreja, para que a doação se torne definitivamente válida. É necessário que não ocorram vícios que afetam a livre declaração de
vontade nem a boa-fé do doador. Porquanto, esses vícios constituem defeitos
do negócio jurídico e podem acarretar a anulação e o consequente desfazimento
da doação, além de gerar para a igreja a obrigação de reparar eventuais perdas
e danos.
Dentre os vícios que maculam a livre manifestação de vontade, o que mais
ocorre em determinadas igrejas é a coação. De acordo com o art. 151, a coação capaz de viciar a declaração de
vontade é a que chega ao ponto de incutir o fundado temor de dano iminente e
considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. Não é difícil
entender essa regra jurídica quando confrontada com os rituais de certas
organizações religiosas, que frequentemente se utilizam de meios de coação para
angariar mais contribuições.
Lamentavelmente, existem nos vários tribunais em nosso país diversas ações judiciais condenando essas igrejas ao pagamento de indenizações ou obrigando-as a restituir os bens e valores doados. Isso, por terem coagido seguidores a doarem seus bens em troca de bênçãos ou de proteção espiritual. Nesses locais as pessoas podem ser coagidas a doar dinheiro e bens mediante violência psicológica tão ampla e profunda, inclusive sob a pena de padecer doenças, sofrimentos e perdas materiais, que anula completamente a sensatez e o bom-senso na manifestação de vontade do doador. Resta apenas pleitear judicialmente a anulação da doação efetuada nessas circunstâncias.
Lamentavelmente, existem nos vários tribunais em nosso país diversas ações judiciais condenando essas igrejas ao pagamento de indenizações ou obrigando-as a restituir os bens e valores doados. Isso, por terem coagido seguidores a doarem seus bens em troca de bênçãos ou de proteção espiritual. Nesses locais as pessoas podem ser coagidas a doar dinheiro e bens mediante violência psicológica tão ampla e profunda, inclusive sob a pena de padecer doenças, sofrimentos e perdas materiais, que anula completamente a sensatez e o bom-senso na manifestação de vontade do doador. Resta apenas pleitear judicialmente a anulação da doação efetuada nessas circunstâncias.
Outro problema grave é a destinação dos bens que foram doados, pois nem
sempre as igrejas utilizam o dinheiro exatamente nos fins para os quais pediram
as doações. Os fiéis em alguns casos são enganados e iludidos pelas falsas
necessidades de manutenção da igreja, quando na verdade seus líderes desviam recursos,
formam patrimônio pessoal invejável, constroem obras faraônicas incompatíveis
com os fins da igreja, compram emissoras de televisão, realimentando desse modo
a máquina de pedir doações por meio do marketing televiso. Uma investigação apurada
pode comprovar até mesmo a prática de crimes, como já ocorreu antes em nosso país.
Diante de todo o exposto, cabe aos doadores o bom senso e o discernimento necessários para avaliar a imparcialidade dos métodos utilizados na coleta de ofertas e contribuições, bem como analisar se a igreja aplica adequadamente os recursos financeiros que são doados. Quanto às igrejas, cabe adotar alguns cuidados ao pedir as doações, além de observar os requisitos legais exigidos no contrato de doação, conforme explanados acima, visando não incorrer em práticas que podem ocasionar a invalidade das doações e consequentemente a sua anulação. Todas essas observações são importantes, para evitar os pavorosos escândalos que ecoam quando as igrejas são chamadas a responder por demandas judiciais que pleiteiam a devolução de bens ou valores que foram doados por fiéis. Enfim, a igreja precisa atuar dentro da lei.
Diante de todo o exposto, cabe aos doadores o bom senso e o discernimento necessários para avaliar a imparcialidade dos métodos utilizados na coleta de ofertas e contribuições, bem como analisar se a igreja aplica adequadamente os recursos financeiros que são doados. Quanto às igrejas, cabe adotar alguns cuidados ao pedir as doações, além de observar os requisitos legais exigidos no contrato de doação, conforme explanados acima, visando não incorrer em práticas que podem ocasionar a invalidade das doações e consequentemente a sua anulação. Todas essas observações são importantes, para evitar os pavorosos escândalos que ecoam quando as igrejas são chamadas a responder por demandas judiciais que pleiteiam a devolução de bens ou valores que foram doados por fiéis. Enfim, a igreja precisa atuar dentro da lei.
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