Por Adiel Teófilo.
A República Federativa do Brasil tem como principal
fundamento o princípio do Estado Democrático de Direito, conforme preceitua o
art. 1º da Constituição Federal de 1988. A partir desse princípio de construção
da ordem jurídico-constitucional, foram estabelecidas diversas garantias, visando
proteger as liberdades e os direitos dos cidadãos na convivência em sociedade.
Dentre essas garantias constitucionais, destaca-se
a proteção do Estado em favor da liberdade de consciência e de crença
religiosa. Implica dizer que todas as pessoas, indistintamente, podem
desenvolver no território nacional, com total liberdade, a prática de qualquer
religião ou culto confessional, conforme art. 5º, inc. VI, da Constituição
Federal, que assim dispõe: “é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da
lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;”.
Outra importante garantia é a
prestação de assistência religiosa, denominado também de serviço de capelania.
Essa atividade
encontra amparo no art. 5º, inc. VII, da Constituição Federal, que assim
preconiza: “é assegurada, nos
termos da lei, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e
militares de internação coletiva;”.
Esse preceito constitucional assegura que o serviço de
assistência religiosa pode ser prestado em favor das pessoas que se encontram
internadas em hospitais, abrigos, cadeias, presídios e demais entidades semelhantes,
sejam elas de natureza civil ou militar.
Importante destacar que a assistência
religiosa deve ser exercida “nos termos da lei”, conforme dispõe o inciso acima transcrito.
Dessa forma, na prestação do serviço religioso, devem ser acatadas as
disposições contidas em lei que regulamenta a atividade em pauta. Nesse
sentido foi editada a Lei nº 9.982, de 14 de julho de 2000. Essa Lei Federal dispõe de modo geral sobre a prestação de assistência
religiosa nas entidades hospitalares, públicas e privadas, bem como nos
estabelecimentos prisionais civis e militares. Eis a sua íntegra:
Art. 1o Aos religiosos de
todas as confissões assegura-se o acesso aos hospitais da rede pública ou
privada, bem como aos estabelecimentos prisionais civis ou militares, para dar
atendimento religioso aos internados, desde que em comum acordo com estes, ou
com seus familiares no caso de doentes que já não mais estejam no gozo de suas
faculdades mentais.
Parágrafo único. (VETADO)
Art. 2o Os religiosos
chamados a prestar assistência nas entidades definidas no art. 1o
deverão, em suas atividades, acatar as determinações legais e normas internas
de cada instituição hospitalar ou penal, a fim de não pôr em risco as condições
do paciente ou a segurança do ambiente hospitalar ou prisional.
Esse
diploma legal está em vigor e tem eficácia em todo o território nacional. Estabelece
dois importantes requisitos, os quais devem ser observados por todas as
confissões e denominações religiosas que pretendem realizar o serviço de
capelania, a saber:
1º. Requisito do consentimento: as pessoas que se
encontram internadas precisam concordar em receber o atendimento religioso.
Quando essas pessoas não puderem exprimir sua vontade, em razão de enfermidade
ou incapacidade mental, os familiares podem autorizar a atividade em favor do
enfermo ou incapaz;
2º. Requisito do cumprimento das
normas:
os religiosos devem acatar as determinações legais que regulamentam a
assistência religiosa, bem como as normas internas da unidade hospitalar ou do
estabelecimento prisional, a fim de não colocar em risco a saúde do paciente ou
a segurança do ambiente onde prestará o serviço de capelania.
Convém ressaltar ainda que o art. 2º, da
Lei Federal transcrita acima, estabelece a obrigatoriedade de “acatar as determinações legais...”. Isso
se deve ao fato de que cada Unidade da Federação pode legislar sobre a matéria,
com amparo no art. 25, § 1º, da Constituição Federal, editando lei estadual, bem como decreto,
regulamentando a atividade no âmbito do respectivo Estado. No Distrito Federal, por exemplo, editou-se
a Lei nº 3.216, de 05 de novembro de 2003, com o seguinte teor:
Art. 1° A presente lei regulamenta a prestação de assistência
religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva no âmbito do
Distrito Federal.
Art. 2° E garantida a livre prática de culto para todas as
crenças religiosas.
Parágrafo único. A liberdade de religião
fica condicionada às limitações impostas pela presente Lei e seu regulamento em
favor do interesse prevalecente da coletividade.
Art. 3° A assistência religiosa somente poderá ser ministrada se
houver opção dos interessados nesse sentido.
Art. 4º O
ingresso na assistência religiosa far-se-á por indicação de entidade religiosa
competente, de candidatos que se enquadrem nas seguintes condições:
I – ser sacerdote, pastor, ministro religioso ordenado ou
voluntário leigo;
II – ter consentimento expresso da igreja ou da denominação a que
pertença;
III – possuir idoneidade moral.
Art. 5° A atuação religiosa será feita sem ônus para os cofres
públicos.
Art. 6° Constituem, dentre outros, serviços de capelania:
I - trabalho pastoral;
II - aconselhamento;
III - orações;
V - ministério de comunhão cristã;
V - unção dos enfermos.
Art. 7º A assistência religiosa poderá ser ministrada:
I - aos pacientes internados em
hospitais da rede pública ou privada;
II - aos reclusos internados em
estabelecimentos penitenciários do Distrito Federal.
Art. 8° Para aprimorar a assistência religiosa nos locais de que
trata esta Lei, os órgãos públicos e privados permitirão o franco acesso de
sacerdotes, pastores ou ministros religiosos credenciados por entidades
religiosas competentes, na qualidade de agentes religiosos voluntários, desde
que obedeçam às normas administrativas desses órgãos.
Art. 9° O acesso às dependências dos hospitais e
estabelecimentos penitenciários fica condicionado à apresentação, pelo ministro
de culto religioso, de credencial especifica, fornecida pelas Secretarias de
Estado de Saúde ou de Segurança Pública e Defesa Social do Distrito Federal.
Art. 10. Somente poderá ser expedida credencial mediante
apresentação de termo de identificação, de idoneidade e responsabilidade,
subscrito pelo órgão competente ou majoritário de representação da associação
religiosa a que pertença o interessado.
Parágrafo único. A associação religiosa
deverá ter sido legalmente instituída, obedecidos os requisitos e limites de
atuação impostos pela legislação vigente.
Art. 11. Deverá ser criado e mantido um registro de identificação
das pessoas que forem credenciadas.
Art. 12. O çredenciamento, bem como os demais termos desta Lei,
serão regulamentados pelo Poder Executivo no prazo de 30 (trinta) dias,
contados da data de sua publicação.
Art. 13. O regulamento da presente Lei deverá ser afixado, de
forma visível, nos locais de acesso do público aos estabelecimentos;
preferencialmente nas portarias.
Art. 14. O descumprimento do disposto no artigo anterior
importará na imposição ao responsável pelas instituições infratoras de multa no
valor de R$ 500,00 (quinhentos reais)/ dia.
Parágrafo único. Sem prejuízo da
aplicação da multa, as entidades infratoras e os seus representantes legais
estarão sujeitos às sanções legais e administrativas cabíveis.
Art. 15. Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Art. 16. Revogam-se as disposições em contrário.
A Lei acima transcrita estabelece
no art. 4º que o ingresso na assistência religiosa será mediante indicação de
entidade religiosa. Para tanto, o pastor, ministro religioso ou voluntário
leigo, deverá ter o consentimento expresso da igreja ou da denominação a que
pertence. No artigo 6º, elenca de forma exemplificativa as ações que constituem
serviços de capelania, pois ao usar a expressão “dentre outros”, significa
dizer que podem ser realizados serviços de natureza religiosa que não estão
expressamente mencionados na lei, a exemplo do batismo.
Nos artigos seguintes, a supracitada Lei preconiza que os religiosos serão
credenciados através das entidades religiosas competentes, na qualidade de
agentes religiosos voluntários. Prevê ainda, que o acesso desses religiosos às
dependências dos estabelecimentos penitenciários fica condicionado à
apresentação de credencial fornecida pela Secretaria de Estado de Segurança
Pública.
Ao tratar novamente dessa credencial no art. 10, a Lei em apreço prescreve
que “somente poderá ser expedida
credencial mediante apresentação de termo de identificação, de idoneidade e
responsabilidade, subscrito pelo órgão competente ou majoritário de
representação da associação religiosa a que pertença o interessado”. Esse órgão de representação da entidade
religiosa trata-se da Igreja Sede ou da Convenção Regional a que estiver
filiada a igreja, da qual o interessado em prestar a assistência religiosa é
membro.
O Parágrafo único do art. 10 exige que a organização religiosa tenha sido
legalmente instituída. Significa dizer que deverá possuir estatuto devidamente
registrado em Cartório de Registro de Pessoas Jurídicas. Ressalva-se que no
texto da Lei consta a expressão “associação
religiosa”, porque foi editada antes da vigência do Código Civil, instituído
pela Lei Federal nº 10.825, de 22/12/2003, que inseriu as igrejas no rol das
pessoas jurídicas de direito privado com a designação de “organizações religiosas”. Por derradeiro, o art. 12 remete o
credenciamento e demais disposições para a regulamentação a ser promovida pelo
Poder Executivo.
A Lei em apreço foi
regulamentada pelo Decreto nº 30.582, de
16 de julho de 2009. Esse Decreto reitera e detalha as principais regras contidas
na Lei do Distrito Federal nº 3.216, de 05 de novembro
de 2003.
No art. 4º, § 6º, destaca que no acesso ao estabelecimento prisional deverão
ser observadas as normas de segurança e disciplina interna, conforme as
peculiaridades da instituição penal, cabendo à Secretaria de Segurança Pública
regulamentar a matéria por meio de Portaria.
Essa exigência de se
observar as peculiaridades do estabelecimento se deve às diferenças de rigor na
segurança entre os regimes prisionais. O regime fechado é o mais rigoroso em
razão da gravidade dos crimes cometidos e do tempo de duração das penas, exigindo
elevado grau de segurança prisional. O semiaberto é o regime intermediário e o
aberto o mais brando, sendo não raras vezes convertido em prisão domiciliar em razão
da inexistência de Casa do Albergado no Distrito Federal, unidade que seria destinada
ao regime aberto.
O art. 5º desse
Decreto exige que a entidade religiosa interessada em prestar assistência promova
o seu cadastramento e indique os seus representantes para serem credenciados.
Portanto, as organizações religiosas
(igrejas) são cadastradas e os religiosos
(capelães) são credenciados no órgão competente. O art. 5º enumera os
documentos necessários para tais providências. Para o cadastramento das
entidades religiosas devem ser apresentadas fotocópias autenticadas dos
seguintes documentos: a) Estatuto social devidamente registrado em Cartório de
Registro de Pessoa Jurídica; b) Ata de eleição e posse de seus dirigentes,
devidamente registrada em Cartório; c) Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica -
CNPJ; e, d) Termo de Identificação, de idoneidade e Responsabilidade, subscrito
pelo órgão competente ou majoritário de representação da Associação Religiosa.
Para o credenciamento
das pessoas que vão ministrar a assistência religiosa, são exigidas fotocópias
autenticadas dos documentos: a) carteira de identidade; b) comprovante de
residência; c) comprovante da condição de membro de instituição religiosa há
pelo menos seis meses. Devem atender ainda aos seguintes requisitos: a) ser
maior de 18 anos; b) estar no exercício de seus direitos civis e políticos; c)
estar em condição regular no país, se for estrangeiro; e, d) possuir idoneidade
moral ilibada.
O § 2º do art. 5º
ressalva que, em face da natureza do estabelecimento penal, poderá ser exigido que
o religioso não seja egresso e não possua vinculo de parentesco com interno de
qualquer dos estabelecimentos penais do Distrito Federal. O parágrafo seguinte
acrescenta que poderão ser exigidos ainda outros requisitos, diante das
peculiaridades de cada unidade, o que deverá ser feito mediante Portaria
especifica.
O art. 6º do supracitado
Decreto enfatiza que o religioso, ao realizar as suas atividades, deverá acatar
as “determinações legais e as normas
internas de cada entidade de internação coletiva, a fim de não por em risco as
condições do internado, dos prestadores de serviços na internação e a segurança
do ambiente”.
No art. 7º está prevista
a suspensão do credenciamento pelo prazo de até 90 (noventa) dias. Isso, na
hipótese de o religioso ter comportamento incompatível com as finalidades da
assistência religiosa, ou ainda provocar disputa ou confronto entre as
celebrações realizadas por outra entidade religiosa. Caso ocorra a reincidência,
o credenciamento do pastor, ministro ou voluntário leigo poderá ser cancelado e
obviamente ser impedido de continuar prestando o serviço.
Além desse Decreto de
regulamentação, foi expedida inicialmente a Portaria nº 22, de 21 de março de 2011, pela Secretaria de Estado de Segurança Pública do Distrito
Federal – SSP/DF, publicada no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) nº 56,
de 23 de março, de 2011, que estabeleceu normas aplicáveis ao Sistema
Penitenciário local, complementares ao referido Decreto. Auxiliei nos trabalhos
de elaboração dessa Portaria durante minha gestão como Diretor Geral da
Subscretaria do Sistema Penitenciário do Distrito Federal. Esse instrumento
normativo, entretanto, foi revogado posteriormente pela Portaria nº 58, de 13 de agosto de 2015, publicada no DODF nº
158, de 17 de agosto de 2015, que atualizou as normas aplicáveis ao Sistema
Penitenciário da Capital Federal.
No
tocante às Unidades Hospitalares, as normas específicas estão previstas na Portaria nº 129, de 08 de setembro de 2004,
expedida pela Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal, publicada
no DODF nº 174, de 10 de setembro de 2004.
Por outro lado, a título de referencia, importante mencionar que algumas
instituições públicas criaram quadro próprio para o desempenho da capelania. Os
religiosos que compõem esses quadros são denominados Capelães e prestam assistência
religiosa prioritariamente para os integrantes dessas instituições. É o caso das
Polícias Militares de vários Estados da Federação, bem como das Forças Armadas.
Exemplo disso é a Lei nº
6.923, de 29 de junho de 1981, alterada pela Lei nº 7.672, de 23 de setembro de
1988, que organizou o Serviço de Assistência Religiosa nas Forças
Armadas, com a finalidade de “prestar
assistência religiosa e espiritual aos militares, aos civis das organizações militares
e às suas famílias, bem como atender a encargos relacionados com as atividades
de educação moral realizadas nas Forças Armadas”.
Diante do
exposto, concluímos que se faz necessário verificar a legislação em vigor no
âmbito de cada Estado da Federação, a fim de constatar a existência de lei,
decreto e portaria que tratam especificamente da atividade de assistência
religiosa. Alguns requisitos ou exigências para a prestação desse serviço podem
ser diferentes de um Estado para outro, conforme as peculiaridades de cada
região do país. As condições de organização, funcionamento e lotação das
unidades hospitalares, bem como dos estabelecimentos prisionais, podem também influenciar
diretamente nos procedimentos previstos para o acesso dos religiosos e o
desenvolvimento de suas atividades. Trata-se, pois, de atividade assegurada
pela Constituição Federal, todavia o exercício da assistência religiosa precisa
se ajustar à realidade de cada local onde será desempenhada.
Nenhum comentário:
Postar um comentário