Há
igrejas evangélicas em nosso país que desenvolvem projetos missionários no
exterior. Por isso frequentemente enviam a outros países recursos financeiros destinados
ao sustento de Pastores e Missionários, bem como à manutenção de igrejas e
obras assistenciais. Apesar de não encontrarem maiores dificuldades para enviar
esses recursos, os representantes dessas igrejas não raras vezes têm dúvidas quanto
à regularidade dessas remessas em face da imunidade tributária concedida às
entidades religiosas.
Surge
assim o questionamento: as igrejas podem ou não destinar parte dos seus
recursos financeiros a pessoas físicas ou a igrejas que mantém em funcionamento
no exterior? Qual é a fundamentação legal que autoriza ou não proíbe essa
prática? Para responder a essas indagações, precisamos analisar o tratamento
jurídico que a legislação dispensa às igrejas, comparando com o tratamento dado
a outras entidades que também são de direito privado, como veremos a seguir.
Da Imunidade
Tributária dos Templos Religiosos
É
de amplo conhecimento que as igrejas são beneficiadas com a imunidade
tributária prevista no art. 150, da Constituição
Federal de 1988. Além dos templos religiosos, outras entidades jurídicas
também são alcançadas por essa imunidade, conforme consta do texto
Constitucional que trata das limitações ao poder de tributar:
Art. 150. Sem prejuízo de outras
garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
VI - instituir impostos sobre:
[...]
b) templos de qualquer culto;
c) patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores,
das instituições de educação e de
assistência social, sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei;
[....]
§ 4º As vedações expressas no
inciso VI, alíneas "b" e "c", compreendem somente o
patrimônio, a renda e os serviços, relacionados com as finalidades essenciais
das entidades nelas mencionadas. (grifamos)
Nota-se
que o legislador Constituinte, além de garantir a desoneração tributária em
favor das entidades religiosas (alínea “b”),
assegurou também a imunidade em favor dos partidos políticos, entidades
sindicais dos trabalhadores, instituições educacionais e assistenciais
beneficentes (alínea “c”). Desse
modo, conforme prescreve o § 4º, essas
entidades não podem ser tributadas quanto ao patrimônio, a renda e à prestação
dos seus serviços, desde que esse conjunto do patrimônio, renda e serviços, esteja
relacionado com as finalidades essenciais de cada uma dessas entidades.
Até
aqui parece não existir distinção entre as instituições acima mencionadas. No
entanto, constata-se que ao final da alínea “c”
acima transcrita, consta a seguinte expressão: “atendidos os requisitos da lei”.
Significa dizer que os partidos políticos, entidades sindicais dos
trabalhadores, instituições educacionais e assistenciais beneficentes, para
usufruírem da imunidade tributária sobre o patrimônio, renda e serviços, devem
atender aos requisitos estabelecidos em lei complementar.
Nesse
sentido, o Código Tributário Nacional
(CTN), instituído pela Lei nº 5.172
de 25 de Outubro de 1966, estabelece normas complementares às limitações Constitucionais
ao poder de tributar. Esse Diploma Legal, com eficácia de Lei
Complementar foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, por força do § 5º do art. 34 das Disposições Constitucionais
Transitórias. Os artigos 9º e 14, ambos do CTN, preconizam algumas condições que
devem ser cumpridas para que as entidades possam gozar da imunidade tributária,
a saber:
Art. 9º É vedado à
União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
IV - cobrar imposto
sobre:
[...]
b) templos de
qualquer culto;
c) o patrimônio, a renda ou serviços
dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos
trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins
lucrativos, observados os requisitos fixados na Seção II deste
Capítulo;
[...]
Art. 14. O
disposto na alínea c) do inciso IV do artigo 9º é subordinado à observância dos
seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:
I – não distribuírem qualquer
parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;
II -
aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus
objetivos institucionais;
III -
manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de
formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Esses dispositivos do CTN mencionam condições
objetivas que devem ser atendidas, para que as entidades possam usufruir da
imunidade tributária. Os requisitos a serem preenchidos são três: I – não
distribuir lucros ou parcela de seu patrimônio; II – aplicar de forma integral
os recursos no País e na manutenção dos objetivos institucionais, vendando
assim a remessa ao exterior; III - manter escrituração regular que assegure sua
exatidão.
Cumpre fazer uma importante distinção
quanto à incidência desses requisitos. Observa-se que o art. 14, do CTN, acima
transcrito, não está se referindo aos “templos
de qualquer culto”, mencionados na alínea “b”, inc. IV, do art. 9º. Está sim
apontando no sentido de que tais exigências se aplicam exclusivamente às instituições
elencadas na alínea “c”, inc. IV, art.
9º, quais sejam: os partidos
políticos, entidades sindicais dos trabalhadores, instituições educacionais e de
assistência social sem fins lucrativos.
Da possibilidade de remeter
valores ao exterior
Fica
evidente que os requisitos constantes do art. 14, do CTN, não se aplicam aos “templos de qualquer culto”. Desse modo,
as instituições que se enquadram na condição de templos religiosos não se
sujeitam à restrição de aplicar os seus recursos integralmente em nosso país.
Essas instituições religiosas podem fazer a remessa de valores ao exterior,
visando prover o sustento de missionários enviados para qualquer parte do mundo,
onde os mesmos prestam serviços religiosos vinculados à instituição Brasileira,
sem que isso acarrete qualquer prejuízo à imunidade tributária.
Ressalta-se
que a Lei nº
9.532, de 10 de dezembro de 1997, que altera a
legislação tributária federal e dá outras providências, instituiu também alguns
requisitos para a fruição da imunidade tributária prevista no art. 150, da
Constituição Federal. No entanto, esse Diploma Legal não estabeleceu qualquer
condição a ser cumprida pelos templos religiosos. A Lei em destaque impôs
algumas obrigações a serem cumpridas apenas pelas instituições educacionais e
de assistencial social, conforme consta no seu art. 12, caput e § 2º, abaixo
transcritos:
Art. 12. Para efeito do disposto
no art. 150, inciso VI, alínea
"c", da Constituição, considera-se imune a instituição de
educação ou de assistência social que preste os serviços para os quais houver
sido instituída e os coloque à disposição da população em geral, em caráter
complementar às atividades do Estado, sem fins
lucrativos.
§ 2º Para o gozo da imunidade, as
instituições a que se refere este artigo, estão obrigadas a atender aos
seguintes requisitos:
b) aplicar integralmente seus
recursos na manutenção e desenvolvimento dos seus objetivos sociais;
Acrescenta-se que o Decreto nº 9.580, de 22 de novembro de
2018, que Regulamenta a tributação, a fiscalização, a arrecadação e a
administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza, mencionou
a imunidade tributária Constitucional concedida aos templos religiosos,
referindo-se também ao Código Tributário Nacional. Contudo, não impôs qualquer condição
a essas entidades religiosas para gozar dessa imunidade. O Regulamento anexo ao
referido Decreto, no art. 179, assim preconiza:
Templos
de qualquer culto
Art. 179. Não ficam sujeitos ao imposto sobre a renda os
templos de qualquer culto (Constituição, art. 150, caput, inciso
VI, alínea “b”; e Lei nº 5.172, de 1966 - Código Tributário Nacional, art.
9º, caput, inciso IV, alínea “b”).
Nessa mesma linha, destaca-se
o Decreto nº 6.306, de 14 de dezembro de 2007, que Regulamenta o Imposto
sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores
Mobiliários – IOF. Esse Decreto, no art. 2º, § 3o,
excluiu as entidades religiosas da obrigação de pagar o IOF, desde que
as operações realizadas por essas entidades estejam vinculadas às suas finalidades
essenciais.
§ 3o Não se submetem à incidência do
imposto de que trata este Decreto as operações realizadas por órgãos da
administração direta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos
Municípios, e, desde que vinculadas às finalidades essenciais das respectivas
entidades, as operações realizadas por:
I - autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo Poder
Público;
II - templos de qualquer
culto;
III - partidos políticos, inclusive suas fundações, entidades
sindicais de trabalhadores e instituições de educação e de assistência social,
sem fins lucrativos, atendidos os requisitos da lei. (grifamos)
Conclui-se
que não há na legislação complementar qualquer proibição no sentido de impedir
as entidades religiosas de enviar recursos ao exterior. Portanto, podem remeter
valores a fim de atender atividades desenvolvidas no exterior, desde que esses
serviços estejam relacionados com as finalidades estatutárias da instituição
religiosa.
Da
organização religiosa favorecida pela imunidade tributária
A imunidade tributária concedida aos
templos religiosos não se sujeita ao cumprimento de nenhum requisito
estabelecido em lei complementar. Por essa razão é de suma importância realçar a
correta interpretação que se deve atribuir à expressão “templos de qualquer culto”,
constante da alínea b, inc. VI, art. 150, da Constituição Federal.
O Código Civil, instituído pela Lei nº
10.406, de 10 de janeiro de 2002, refere-se a essas entidades com a
nomenclatura de “organizações religiosas” (art. 44, inc. IV). Esse Código,
porém, não apresenta elementos conceituais capazes de estabelecer uma correlação
exata entre essa nomenclatura e aquela expressão Constitucional, muito embora
os templos de qualquer culto adquiram personalidade jurídica com a nomenclatura
de “organizações religiosas”.
O vetor interpretativo deve ser o disposto
no § 4º do art. 150, da própria Constituição Federal.
Esse preceito não restringe a imunidade tributária apenas ao “templo” onde se realiza “culto”, como poderia sugerir o teor
da alínea b, inc. VI, art. 150, da Constituição Federal.
Ao contrário disso, o referido § 4º estende a imunidade tributária para alcançar
o patrimônio, a renda e os serviços, desde que estejam relacionados com as
finalidades essenciais da entidade religiosa, ampliando assim o alcance interpretativo
da expressão “templos”.
A par dessa compreensão ampliativa, o
conceito de “templos de qualquer culto”
para fins de imunidade tributária deve ter os seguintes contornos: são as
entidades com personalidade jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,
identificadas como “organizações religiosas”,
que realizam cultos em templos ou em qualquer outro local, empregando patrimônio,
renda e serviços integralmente na consecução das suas finalidades institucionais.
São entidades que viabilizam condições necessárias ao livre exercício dos
cultos religiosos, concretizando dessa
forma a garantia da liberdade de consciência e de crença, direitos fundamentos previstos
no art. 5º, inc. VI, da Constituição Federal.
Por força dessa amplitude conceitual,
devem ser considerados como templo por extensão, todos os demais locais onde a
instituição realiza os seus cultos ou desenvolve os serviços religiosos. São
consideradas também locais de culto todas as dependências integrantes do patrimônio
utilizadas nas atividades essenciais da organização religiosa.
Salienta-se que esses locais de
atividades e serviços religiosos podem estar situados no País ou no exterior. Existem
várias entidades religiosas aqui situadas que criaram igrejas em outros países,
onde Missionários ou Obreiros prestam serviços eclesiásticos em nome da organização
religiosa que os enviou, cuja instituição faz a remessa de valores para o
sustento desses religiosos, bem como para a manutenção dos templos e suas
dependências.
Por tudo isso é de suma importância fazer
constar no Estatuto da organização religiosa, dentre as suas finalidades
institucionais, a de manter financeiramente Missionários, Pastores, Obreiros ou
Igrejas no exterior. Esse dispositivo estatutário tem por finalidade estabelecer
o vínculo jurídico formal com a atividade fora do país, legitimando a remessa
de valores ao exterior, onde a igreja desenvolve também as suas atividades e serviços
religiosos.
Por fim, conclui-se que as entidades
que realizam cultos religiosos, dedicando integralmente o patrimônio, a renda e
os serviços, no cumprimento das suas finalidades essenciais como organização religiosa,
gozam da plena imunidade tributária estabelecida pela Constituição Federal.
Além disso, essas instituições não estão sujeitas às restrições que impedem fazer
a remessa de valores ao exterior, cuja operação de remessa deve ser igualmente alcançada
pela desoneração tributária, pois essas instituições desenvolvem também serviços
eclesiásticos no exterior, vinculados por força de disposição estatutária.
Parabéns Pr. Adiel de extrema relevância seu artigo, e com uma linguagem muito palatável para entendimento daqueles que não são do direito. Posso dizer que tirei varias duvidas com tão clara explanação do assunto.
ResponderExcluirArtigo muito interessante ajudou nossa entidade !
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