Pastor
Geremias do Couto
Esperava
outra postura
do presidente da CGADB, reeleito para mais um termo de quatro anos, em sua
entrevista concedida à Folha de São Paulo, publicada neste sábado. A linguagem,
a forma de abordar, as alfinetadas, a predominância do discurso político, o
emprego de vocábulos vulgares, como "goró", "troço", "doido" etc., para quem ocupa o
cargo máximo da denominação, tudo isso me revela outro pastor José Wellington,
não aquele que conheço há muitos anos e com quem convivi por bastante tempo,
enquanto estive ligado à CPAD e ocupei cargos na CGADB. Ou talvez eu me tenha
enganado.
Peço licença uma vez mais ao jornalista Reinaldo Azevedo para usar o
seu formato vermelho e azul na análise que faço a seguir dos tópicos mais
polêmicos da entrevista. As respostas do presidente reeleito ao jornal estão em
vermelho e estão transcritas da forma como foram publicadas pelo jornalista,
inclusive com os erros de concordância. Eu vou de azul.
"O
Feliciano é
novo, jovem, inteligente e eu creio que vocês são inteligentes, vocês estão
vendo que ele está querendo tirar proveito. Ele é político, está querendo tirar
proveito desse troço. Ele está dando corda na coisa. O Marco Feliciano, bobo
ele não é."
"Agora,
eu acredito
que há uma exploração, há uma exploração muito grande do pessoal do lado de lá
[críticos de Feliciano]. A verdade é essa: nós estamos juntos da Igreja
Católica. Porque a Igreja Católica não aceita. O que nós não aceitamos a Igreja
Católica não aceita."
"Um
bispo
de São Paulo me telefonou e disse: "Pastor, vamos fazer uma dobradinha,
temos de marchar juntos porque não aceitamos". Eles não aceitam aborto,
casamento de pessoas do mesmo sexo. Eu vi ontem na imprensa no Amazonas um juiz
deu uma liminar para que o camarada lá casasse com duas mulheres. Negócio de
doido, né? Só no Amazonas dá um troço desse."
"Nós,
da
Assembleia de Deus, não participávamos da vida política do país. Só depois,
quando eu assumi a presidência... Porque eu em janeiro agora completei 25 anos
na presidência da Convenção Geral, fui reeleito nove vezes. Quando eu cheguei,
com o crescimento da Assembleia de Deus, eu entendi que precisávamos colocar
alguém para nos representar. E isso foi feito. Hoje temos 28 deputados federais
'assembleianos'. No total, são 80 os parlamentares evangélicos em Brasília [de
diferentes denominações]."
"O
Marco Feliciano...
Ai, não foi porque ele é evangélico, foi um acordo do partido. Destinaram
aquilo para o PSC. Coube ao Marco Feliciano e ele abraçou. Como ele antes de
ser presidente dessa comissão havia feitos alguns pronunciamentos... Nós não
aceitamos o comportamento dessa gente, mas não os perseguimos. Não temos
qualquer preconceito com eles. Absolutamente nada. É que o grupo que está
apoiando essa gente, balizou, aqui no Congresso, algumas leis que estão dando
muito, muita força para essa gente, e dizem que o preconceito é nosso. Pelo
contrário, eles é que são os preconceituosos."
O
presidente
acerta quando diz que Marco Feliciano busca tirar proveito de toda a celeuma
criada por causa de sua eleição para a presidência da CDHM. Se ele fosse pagar
pelo espaço que vem recebendo na mídia todos os dias, o custo seria
elevadíssimo. Com o episódio, sua reeleição está assegurada. Acerta também
quando restringe a escolha do deputado para presidir a CDHM aos acordos
partidários sem que tenha sido por questões de fé. Sempre defendi esse ponto.
Erram os que trazem a discussão para o campo religioso. Mas fica difícil
explicar a contradição deste discurso com a resposta dada ao jornal O Globo, na
qual afirmou considerar Marco Feliciano inteligente, mas despreparado para o
cargo, que, a seu ver, deveria ser ocupado por alguém neutro. É óbvio que na
sessão que votou a moção de apoio ao deputado, o presidente reeleito tentou
desconversar, afirmando que não era bem aquilo que tinha falado. Mas não houve
desmentido formal. Portanto, a emenda não o exime de contradição no tema.
É
verdade
que os valores morais são temas que interessam tanto à Igreja Católica quanto à
Igreja Evangélica. Mas todos sabemos que é cláusula pétrea para o PT mexer
nessas áreas, como se encontra descrito no PNDH 3 em plena execução. Juntar as
forças com os bispos católicos, como pressupõe o presidente eleito, nesse
combate é uma possibilidade que não pode ser descartada, a não ser por um sutil
senão um pouco mais abaixo em sua entrevista. Já chego lá, no último parágrafo.
O que interessa agora é a repetição da mesma ofensa dirigida aos amazonenses no
plenário convencional, quando tratava do mesmo assunto. O que o presidente
reeleito disse lá, repetiu aqui. Veja: "Eu vi ontem na imprensa no Amazonas um
juiz deu uma liminar para que o camarada lá casasse com duas mulheres. Negócio
de doido, né? Só no Amazonas dá um troço desse". Precisava disso? Não
foi uma alfinetada? Ele não desrespeitou apenas aos membros da Assembleia de
Deus no Estado, mas a todos os amazonenses, como se todos fossem de acordo com
o feito!
"Essa
é
uma interpretação teológica. A Bíblia, quando conta a histórica de Cã, a
tradução chama de Cão, né?, é que aquele filho de Noé (eram três) quando o pai
tomou uns gorós e, bêbado, se despiu, ficou caído bêbado, veio um dos filho,
viu os dois, e saiu criticando, né?, outro veio, de costas, e cobriu a nudez do
pai, então esse o pai abençoou e outro ele amaldiçoou. Cada um interpreta como
queira. Qual foi a mudança que houve, se foi de cor, eu não sei."
"Olha,
eu
não sou paulista, eu sou cearense. A cor da pele não faz muita diferente não,
sem dúvida nenhuma. Eu recebo o irmão pretinho, a velhinha pretinha, para mim
eu tenho tanto carinho, amor e respeito quanto por qualquer outro. Acredito que
essa é a posição da maioria dos pastores. Agora, ele e alguns outros pregam
isso, que os negros, os africanos, são descendentes de Cão."
Aqui o presidente reeleito ficou literalmente em cima do muro, forçando um pouco a barra em favor da hipótese da cor negra ser a "maldição de Noé". Não está explícito, mas a construção da resposta enseja esse viés. Era a hora de aproveitar para dar uma resposta teológica clara, precisa, incisiva, que mostrasse que a maldição de Noé não tem nada a ver com o continente africano, como Marco Feliciano divulgou em seu twitter. Mostraria, inclusive, tratar-se de um homem teológica e intelectualmente preparado para conduzir a maior denominação do país.
Aqui o presidente reeleito ficou literalmente em cima do muro, forçando um pouco a barra em favor da hipótese da cor negra ser a "maldição de Noé". Não está explícito, mas a construção da resposta enseja esse viés. Era a hora de aproveitar para dar uma resposta teológica clara, precisa, incisiva, que mostrasse que a maldição de Noé não tem nada a ver com o continente africano, como Marco Feliciano divulgou em seu twitter. Mostraria, inclusive, tratar-se de um homem teológica e intelectualmente preparado para conduzir a maior denominação do país.
Mas preferiu sair pela tangente, a porta mais fácil para
os que não querem se comprometer. Lamentável! Estranhei também quando ele
disse: "A
cor da pele não faz muita diferente não" (sic). Se a cor da pela
não "faz muita diferença", pode fazer alguma, é o que se deduz da
resposta. E se pode fazer alguma diferença, o preconceito se revela latente.
Dizer que recebe o "irmão pretinho, a velhinha pretinha" só complica
as coisas, pois dá a essas pessoas uma conotação de inferioridade. Mas se "cada um
interpreta como queira", então é isso aí.
"Eu
vejo
com muito bons olhos. Confesso a você que não votei na Dilma. Eu tinha certos
resquícios do PT lá em São Paulo. Mas esta senhora tem superado [as
expectativas]. Ela pegou uma caixa de marimbondo na mão, mas tem sido muito
honesta com seu governo e com o povo. Hoje, na minha concepção, a candidatura
dela é uma nomeação, não precisa nem ir para a eleição, ela é eleita
tranquilamente."
"Eu
até
teria muito motivo para dizer não, mas esqueço tudo isso aí a bem do povo, ela
tem sido muito correta na administração do nosso país."
[Risos]
"Deixa
isso pra lá. O meu concorrente [na eleição desta semana], pelas informações que
eu tenho ele recebeu todo o beneplácito do Planalto. Eu não recebi, e não
recebi porque também não pedi. Na nossa igreja em São Paulo nunca entrou um
centavo nem da prefeitura, nem do Estado nem da nação. Nunca pedi, de maneira
nenhuma. A presidenta, num ano desses, eu estava aniversariando e ela foi lá me
ver, me dar os parabéns. Foi lá com quatro ministros, o Padilha e outros mais.
Recebi com muito carinho, muito amor, perfeitamente. Mas não peço. Agora,
entendo que, se algum dia precisar pedir, sou um brasileiro que paga imposto,
tenho tanto direito quanto os demais."
Nos
três
parágrafos acima, o presidente responde às seguintes perguntas do repórter:
Qual a sua opinião sobre Dilma? Vocês apoiam ela em 2014? Com o "PT de São
Paulo" o senhor quer dizer Marta Suplicy? Todos os que conhecemos o pastor
José Wellington sabemos de seu histórico antipetismo, independente da Marta
Suplicy em São Paulo. Suas posturas sempre foram conservadoras e só se
manifestou em favor de FHC, nas eleições em que se elegeu, porque a outra opção
era o Lula.
É de estranhar esse açodamento em praticamente sinalizar o apoio à
reeleição de Dilma Rousseff. Que razões o teriam levado a fazer essas declarações?
Seria para mostrar a "força política" da Assembleia de Deus? Seria
para mostrar aos possíveis candidatos que qualquer decisão nessa área terá de
passar por suas mãos, diferente da eleição anterior em que o presidente de
Madureira acabou sendo o protagonista? Seria um recado aos amigos do PSDB para
que dobrem as suas "apostas"?
Por outro lado, se o outro candidato às
eleições da CGADB contou com "todo o beneplácito do Planalto", como insinuou em sua
resposta, que beneplácito foi esse? Foi alguma coisa ilícita, imprópria,
inadequada? Por que não dar nomes aos bois? Isso me permite formular outra
pergunta: teria o presidente reeleito recebido beneplácitos de outras fontes?
Finalizo.
A verdade é que a Assembleia de Deus, como
instituição, não é mais a mesma. Ela entrou de cabeça no jogo político e parece
que o presidente reeleito perdeu qualquer constrangimento em dar esse mergulho.
Para quem afirmou que "igreja e política são como água e óleo, não se
misturam", em entrevista concedida a mim logo que assumiu a presidência da
CGADB em substituição ao pastor Alcebíades Pereira de Vasconcelos, a sua nova
roupagem é de quem misturou tudo no mesmo vasilhame. Agora me digam: como
apoiar a candidata de um partido que tem como cláusulas pétreas em seu programa
a destruição de valores que a igreja defende? Não é contraditório? Ou haveria
alguma outra razão mais forte que a própria razão desconhece?
Fonte: Blog
Geremias do Couto < http://geremiasdocouto.blogspot.com.br/2013/04/jose-wellington-uma-entrevista.html
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