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domingo, 7 de abril de 2024

O POVO DE DEUS E AS TATUAGENS

 

Pr. Adiel Teófilo.

O uso de tatuagens tem se multiplicado entre aqueles que se declaram cristãos evangélicos. Essa prática tem dividido opiniões e frequentemente surgem dúvidas se o cristão pode ou não fazer uso de tatuagens. A busca de resposta definitiva para essa questão não é tarefa fácil à luz da Bíblia Sagrada. Além das divergências de opiniões há também diferentes interpretações das Escrituras, influenciadas pelo liberalismo teológico e outras tendências da pós modernidade que tentam menosprezar a autoridade de Deus em relação à santidade do corpo.

O Preceito da Lei de Deus sobre tatuagens

O versículo das Sagradas Escrituras mais antigo sobre o tema encontra-se em Levítico 19.28, Livro escrito por Moisés, por volta de 1445 a.C., que assim diz na versão Almeida, Revista e Atualizada: “Pelos mortos não ferireis a vossa carne; nem fareis marca alguma sobre vós; Eu sou o SENHOR”. Na versão Almeida, Revista e Corrigida diz: “Pelos mortos não dareis golpes na vossa carne”; o restante do versículo é idêntico à outra versão. 

Importante destacar que esse versículo faz parte do conjunto de normas e preceitos que o próprio Deus outorgou aos filhos de Israel. Isso aconteceu por intermédio do Profeta Moisés, que compilou a Torá (Lei), os cinco primeiros livros da Bíblia, também denominados de Pentateuco: Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio.

O propósito de Deus ao estabelecer os preceitos da Lei para Israel era de constituir para Si um povo santo, separado das nações pagãs que habitavam a região da Palestina. Observe que o próprio SENHOR deixou muito claro essa distinção entre os povos: “Fala a toda a congregação dos filhos de Israel, e dize-lhes: santos sereis, porque eu, o SENHOR vosso Deus, sou santo.” (Levítico 19.2).

Naquele tempo em que os Hebreus saíram do Egito sob a liderança de Moisés, as mutilações e as tatuagens já eram práticas comuns entre os povos pagãos, dentre outros costumes que não honravam e nem agradavam ao SENHOR. Por essa razão é que foi outorgada a Torá, contendo princípios morais imutáveis da Lei de Deus, para que houvesse diferença entre o povo escolhido por Deus e as nações que praticavam idolatria, feitiçaria, imoralidade, e todo tipo de iniquidade e abominação aos olhos de Deus.

A origem das tatuagens

O uso de tatuagem não é uma criação contemporânea, mas uma prática muito antiga na humanidade. Não foi criada entre o povo escolhido por Deus que saiu do Egito, mas se originou entre povos pagãos da antiguidade. É bem verdade que existem atualmente inúmeras formas, cores e modelos de tatuagens, bem como modernos equipamentos destinados a essa prática que obviamente não existiam antigamente, porém a essência desse ritual remonta a um passado distante na história, como bem ilustra o texto abaixo, extraído da Wikipedia:

Existem muitas provas arqueológicas que afirmam que tatuagens foram feitas no Egito entre 4000 e 2000 a.C. e também por nativos da Polinésia, Filipinas, Indonésia e Nova Zelândia (maori), tatuavam-se em rituais ligados a religião. Os Ainu, um povo indígena do norte do Japão, tradicionalmente tinham tatuagens faciais, assim como os austro-asiáticos. Hoje, pode-se encontrar em diversas etnias espalhadas pelo mundo o costume de se utilizar tatuagens faciais, entre estes povos tem se os berberes do Norte da África, os iorubas, os fula e hauçás da Nigéria e os maoris da Nova Zelândia.

Múmias tatuadas foram recuperadas de pelo menos 49 sítios arqueológicos, incluindo locais na Groenlândia, no Alasca, na Sibéria, na Mongólia, no oeste da China, no Egito, no Sudão, nas Filipinas e nos Andes. Estes incluem Amunet, Sacerdotisa da Deusa Hathor do antigo Egito (c. 2134-1991 aC), múltiplas múmias da Sibéria, incluindo a cultura Pazyryk da Rússia e de várias culturas em toda a América do Sul pré-colombiana. Em 2015, a reavaliação científica da idade das duas mais antigas múmias tatuadas conhecidas, identificou Ötzi como o exemplo mais antigo atualmente conhecido. Este corpo, com 61 tatuagens, foi encontrado embutido em gelo glacial nos Alpes, e datado de 3.250 a.C.

Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Tatuagem >. Acesso em: 07 Abr 2024.

O relato acima demonstra que as tatuagens surgiram entre povos pagãos da antiguidade, especialmente entre os egípcios, nação de onde Deus tirou os filhos de Israel e lhes deu claras instruções para que não seguissem as mesmas práticas e costumes, e nem a cultura daqueles povos que não se voltaram para o SENHOR.  

As Leis sobre padrões de comportamento para o povo de Israel

Os capítulos 18, 19 e 20 de Levítico devem ser analisados em conjunto, pois registram leis que estabelecem padrões de comportamento que os israelitas deveriam observar fielmente, a fim de não se contaminarem com as práticas do paganismo rejeitadas pelo SENHOR. E os preceitos da Lei foram muito claros nesse sentido, porque os padrões do povo de Deus não poderiam ser ditados pelas práticas do Egito e nem de Canaã, mas ensinados pelo próprio SENHOR:

Não fareis segundo as obras da terra do Egito, em que habitastes, nem fareis segundo as obras da terra de Canaã, para a qual eu vos levo, nem andareis nos seus estatutos. Fareis segundo os meus juízos, e os meus estatutos guardareis, para andardes neles: Eu sou o SENHOR vosso Deus. [...]

Portanto guardareis a obrigação que tendes para comigo, não praticando nenhum dos costumes abomináveis que se praticaram antes de vós, e não vos contamineis com eles: Eu sou o SENHOR vosso Deus.

(Levítico 18.3, 4 e 30)  (grifamos)

O texto aponta obras, costumes e práticas que não devem ser imitadas por aqueles cujo Deus é o SENHOR. No capítulo 18.6 a 23 estão relacionadas práticas sexuais abomináveis condenadas pelo SENHOR, com exceção do versículo 20, que trata de prática religiosa também rejeitada por DEUS, que era o culto a Moloque, divindade Amonita que envolvia sacrifício de crianças, conforme capítulo 20. 1 a 5.

O capítulo 19, cujo versículo 28 fala sobre tatuagens, contém diversos preceitos relacionados com a vida cotidiana, e o capítulo 20 descreve outras condutas e práticas sexuais também abomináveis, condenadas pela Lei de Deus. Interessante observar que assim diz o SENHOR ao seu povo na parte final do capítulo 20 de Levítico:

Não andeis nos costumes da gente que eu lanço fora de diante de vós, porque fizeram todas estas cousas; por isso me aborreci deles. Mas a vós outros vos tenho dito: em herança possuireis a sua terra, e eu vo-la darei para a possuirdes, terra que mana leite e mel: Eu sou o SENHOR vosso Deus, que vos separei dos povos.

[...]

Ser-me-eis santos, porque eu, o SENHOR, vosso Deus, sou santo, e separei-vos dos povos, para serdes meus.

(Levítico 20.23, 24 e 26) (grifo nosso)

Nesse contexto, constata-se que o propósito de Deus foi estabelecer notória diferença de práticas e costumes entre o SEU POVO e os povos entregues ao paganismo, devendo aqueles que se dizem servos do SENHOR observar em sua vida cotidiana os preceitos e juízos estabelecidos por Deus, para que possam desfrutar de todas as bençãos prometidas ao seu povo.

A proibição de fazer qualquer marca sobre o corpo

Analisando com mais profundidade Levítico 19.28, transcrito no início, podemos compreender que a primeira parte se constituiu numa clara proibição, emanada do próprio SENHOR e direcionada ao povo escolhido para servir e adorar a Deus: não deveriam ferir para fazer cicatriz e nem golpear para mutilar qualquer parte do corpo, seja a fim de homenagear alguém que morreu ou mesmo com a finalidade de expressar a dor pela morte de um ente querido.

A segunda parte do versículo contém uma proibição bem mais ampla que a primeira antes comentada. Conforme o texto sagrado não é permitido ao povo escolhido fazer nenhuma marca sobre o corpo. Nessa expressão “marca”, compreende-se sinal, desenho, inscrição ou coisa semelhante dentre as formas de tatuagens então existentes. Observe que todas as espécies de marcas são proibidas, qualquer que seja a sua finalidade, como por exemplo adorno, homenagem a alguém ou identificação de grupo, tribo ou nação.

O versículo se encerra ressaltando a soberania do SENHOR sobre o povo que O serve: “Eu sou o SENHOR”. Essa expressão é repetida mais de vinte vezes nos capítulos 18, 19 e 20 de Levítico. Esse Senhorio não se referia apenas ao povo em conjunto como nação escolhida, mas também individualmente sobre o corpo de cada um deles, que deveria ser consagrado ao SENHOR, sem marcas, sinais, mutilações ou coisas semelhantes. A marca que os identificaria a partir de então era a aliança com o SENHOR mediante a obediência à Sua Lei, fazendo assim a diferença entre o SEU POVO e as demais nações da terra.  

O Senhorio de Deus sobre o corpo do cristão

Sabe-se que no Novo Testamento não há proibição expressa contra marcas e tatuagens no corpo, tal como encontramos em Levítico 19.28. No entanto, devemos considerar que não há ruptura entre os dois Testamentos, prevalecendo vigentes todos os princípios morais da Lei de Deus. O Novo não revogou nem aboliu o Antigo Testamento, mas ambos formam a Unidade da Revelação de Deus aos homens. Tanto é que o próprio Senhor Jesus disse que não veio para revogar a lei ou os profetas, mas para cumpri-los (Mateus 5.17 a 19).  

Além do mais, continuam presentes no Novo Testamento a mesma soberania e o mesmo zelo do SENHOR sobre o corpo físico daqueles que se renderam ao Senhorio de Cristo, tornando-se filhos de Deus mediante a fé no Senhor Jesus. Esse Senhorio de Cristo se revela na santidade que o Espírito Santo manifesta em relação ao corpo daqueles que pertencem a Deus. O Apóstolo Paulo, ao advertir contra a frouxidão moral e a favor da santidade do corpo, assim escreveu:

Ou não sabeis que o nosso corpo é o templo do Espírito Santo, que habita em vós, proveniente de Deus, e que não sois de vós mesmos? Porque fostes comprados por bom preço; glorificai, pois, a Deus no vosso corpo e no vosso espírito, os quais pertencem a Deus.

(I Coríntios 6.19 e 20) (grifamos)

E que consenso tem o templo de Deus com os ídolos? Porque vós sois o templo do Deus vivente, como Deus disse: neles habitarei e entre eles andarei; e eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo. Pelo que saí do meio deles, e apartai-vos, diz o SENHOR; e não toqueis nada imundo, e eu vos receberei; e eu serei para vós Pai, e vós sereis para mim filhos e filhas, diz o SENHOR Todo-poderoso.

(II Coríntios 6.16 a 18) (grifo nosso)

 

Percebe-se por meio desses versículos a vigência e atualidade daquele mesmo princípio moral instituído pelo SENHOR através da Lei de Moisés: deve existir notória separação de práticas e costumes do povo de Deus em relação ao comportamento daqueles que não servem ao SENHOR. Porquanto, não há harmonia entre Cristo e o maligno, nem união do crente com o incrédulo, e nem ainda ligação entre o santuário de Deus e os ídolos (II Coríntios 6.15 e 16).   

Diante dessas verdades Bíblicas, surgem algumas indagações para reflexão de todo cristão: qual a finalidade de fazer tatuagem no corpo? Isso glorifica a Deus no corpo? Antes de fazer tatuagem, o SENHOR do corpo foi previamente consultado? Qual a origem e o significado da marca que será gravada no corpo, honrará a Deus ou tem ligação com o paganismo?

A proliferação das tatuagens na sociedade contemporânea

Na atualidade parece normal encher o corpo de tatuagens, entretanto muitos cristãos não sabem a origem e nem sequer o significado daquilo que está marcando o seu corpo. Outros homenageiam os pais e pessoas da família e até mortos tatuando os seus nomes, tatuam lemas de vida, frases de efeito, palavras ou versículos Bíblicos, além das mais variadas figuras e ilustrações como ornamento. E o Espírito Santo, será que se alegra e não se sente incomodado com essa iniciativa? Como fica a distinção de costumes do Povo de Deus?

E assim as pessoas vão se acostumando cada vez mais com marcas e inscrições no corpo. Certamente muitos não terão a menor dificuldade em aceitar uma nova marca mundial, convencidos pela propaganda dos vários benefícios que o sinal representará para o conforto, comodidade e segurança nas transações comerciais cotidianas. Outros poderão estar despercebidos e facilmente vão abrir mão da liberdade de escolha, sem fazer qualquer questionamento e nem se importar com as consequências em receber esse novo sinal.

Até parece que a sociedade vem adotando comportamento que se constitui verdadeira preparação para o governo do anticristo na terra. Chegará o tempo em que todos serão obrigados a aceitar o sinal ou marca da besta, sem o qual ninguém poderá fazer qualquer negócio, mesmo uma pequena compra no comércio da esquina. Assim diz a profecia Bíblica:

E faz que a todos, pequenos e grandes, ricos e pobres, livres e servos, lhes seja posto um sinal na sua mão direita, ou nas suas testas, para que ninguém possa comprar ou vender, senão aquele que tiver o sinal, ou o nome da besta, ou o número do seu nome. (Apocalipse 13.16 e 17)

Infelizmente, quem receber essa marca não terá a bênção de Deus. Pelo contrário, sofrerá a condenação eterna, por se subjugar a um governo que se levantará contra o FILHO DE DEUS. Assim nos adverte a Bíblia Sagrada:

E seguiu-os o terceiro anjo, dizendo com grande voz: Se alguém adorar a besta, e a sua imagem, e receber o sinal na sua testa, ou na sua mão, também este beberá do vinho da ira de Deus, que se deitou, não misturado, no cálice da sua ira; e será atormentado com fogo e enxofre diante dos santos anjos e diante do Cordeiro. E a fumaça do seu tormento sobe para todo o sempre; e não têm repouso nem de dia nem de noite os que adoram a besta e a sua imagem, e aquele que receber o sinal do seu nome. (Apocalipse 14.9-11) (grifei)

Enfim, muitas coisas são lícitas perante os homens, porém nem todas convém ao povo de Deus realizar. Há inúmeras práticas e costumes que são aprovados pela sociedade, todavia os filhos do SENHOR devem reprová-los, adotando o padrão de comportamento estabelecido nas Sagradas Escrituras, fazendo notória a distinção daquele que serve ao SENHOR.     

domingo, 19 de março de 2023

A IGREJA DENTRO DA LEI - Estatuto de Congregações

Por Adiel Teófilo.


Existem muitas denominações evangélicas no país que possuem várias congregações filiadas a uma igreja sede. Sabemos que não raras vezes, a maioria dessas congregações funcionam de maneira informal, sem estatuto registrado que lhes assegure personalidade jurídica própria como uma organização religiosa. A dúvida mais recorrente de grande parte dos líderes de igrejas é se as congregações podem de fato ter estatuto próprio, e ainda, se ao registrar um estatuto, as congregações passariam a ser independentes da igreja sede, ganhando assim plena autonomia.

A resposta a essas indagações é que as congregações podem sim ter estatuto próprio, sem que isso implique necessariamente em conceder total autonomia administrativa e eclesiástica a essas congregações filiadas à igreja sede. Isso porque no próprio estatuto podem constar normas que especifiquem como estão organizadas as congregações, detalhando também o seu funcionamento como unidade vinculada a uma igreja sede.

Desse modo, o estatuto não descaracteriza os aspectos que são inerentes a uma congregação. Muito pelo contrário, nesse documento podem constar todas as atribuições e responsabilidades que devem ser observadas ao se administrar uma congregação, harmonizando assim o seu funcionamento com a estrutura administrativa e eclesiástica da igreja sede a que está vinculada. Constata-se, portanto, que o estatuto consolida a estrutura administrativa, na medida em que as normas de funcionamento da congregação passam a ser escritas e documentadas, exigindo o seu fiel cumprimento.

Além disso, outras vantagens decorrem de se ter um estatuto próprio para a congregação. É possível abrir conta bancária em nome da congregação como pessoa jurídica, evitando movimentar recursos financeiros em nome do tesoureiro ou do dirigente, como ocorre frequentemente na prática. Os atos e contratos da vida civil podem ser praticados em nome da congregação, a exemplo do contrato de locação de imóvel, contratos bancários, notas fiscais, dentre outros. Essa medida é importante para evitar confusão entre obrigações da congregação e obrigações do dirigente, bem como evitar confusão patrimonial, acarretando muitas vezes prejuízos para a congregação.

É importante ressaltar que nem sempre os oficiais de cartório do registro de pessoas jurídicas compreendem a vinculação que existe entre congregação e igreja sede. A experiência de registro promovida aqui no Distrito Federal revelou essa realidade, pois há oficiais que também interpretam que o estatuto concederá plena autonomia à congregação. Foi necessário explicar como se organiza e funciona essa estrutura dentro da denominação, usando como exemplo a organização político-administrativa do Estado Brasileiro, constituído por União, Estados e Municípios, todos autônomos, porém formando a República Federativa do Brasil, nos termos do art. 18, da Constituição Federal.

A par desses esclarecimentos, foram registrados os estatutos de congregações que funcionavam há vários anos em Cidades do Distrito Federal. Algumas possuíam inclusive imóvel próprio, porém pendente de registro imobiliário, o que pode agora ser regularizado, inclusive para fins de obtenção da isenção do IPTU. Portanto, recomenda-se que as congregações saiam da informalidade e promovam o registro de estatuto próprio, obtendo dessa forma capacidade jurídica para exercer os direitos e responsabilidades que lhe são inerentes, sem contudo perder a condição de congregação vinculada a uma igreja sede.     

terça-feira, 26 de maio de 2020

A IGREJA E O CORONAVIRUS


Por Adiel Teófilo.

O Brasil vem enfrentando a pandemia do coronavirus (Covid-19), desde o dia 20 de março de 2020, quando o Congresso Nacional promulgou o Decreto Legislativo nº 6, reconhecendo o estado de calamidade pública. Essa data marca o início da implantação em todo o território nacional de diversas medidas de enfrentamento da pandemia, sendo que em alguns Estados e Municípios foram impostas regras de isolamento social, restrição de várias atividades e proibição de aglomeração de pessoas. Essas medidas inevitavelmente atingiram o funcionamento das igrejas, impedindo a realização das suas atividades e celebrações coletivas regulares.
Diante disso, as denominações evangélicas, principalmente aquelas que não possuem programas de rádio e/ou televisão, foram forçadas a buscar rapidamente outros meios de manter o contato com os seus membros. Nesse sentido, as redes sociais foram de grande valia, pois viabilizam o contato virtual com a membresia, a custo baixo, através de aplicativos e canais de comunicação pela internet, possibilitando, embora à distância, a realização das celebrações religiosas, como cultos, escolas bíblicas e ministração da Ceia ordenada pelo Senhor Jesus Cristo.
O desafio da igreja fora dos templos
Nesse tempo de pastoreio e ministrações à distância, o grande desafio para líderes e liderados é continuar sendo Igreja mesmo fora dos templos. A habitualidade das celebrações presenciais durante a semana foi substituída de forma súbita e inesperada por momentos on line, nos quais não há proximidade afetiva entre as pessoas, nem a interação direta entre os integrantes da comunidade local. Não resta dúvida de que esse afastamento social implica numa perda substancial da qualidade dos cultos e na impossibilidade de se desenvolver uma comunhão cristã íntima entre o povo. 
Esses problemas não ocorrem apenas em razão do isolamento social em si mesmo como medida de contenção da pandemia. Eles são ocasionados também por outras deficiências, como a inabilidade de certas pessoas em lidar com as novas tecnologias da informação, as distrações comuns da rotina do lar, e ainda, as dificuldades de muitos crentes em realizar devocional familiar, que propicie o ambiente favorável à participação exitosa nas ministrações à distância.  
Além disso, precisamos considerar uma realidade presente em várias denominações evangélicas.  Há igrejas que não constroem a visão voltada ao aprimoramento da comunhão entre os seus membros fora do ambiente dos templos, nem aplicam práticas capazes de tornar a vida cristã num estilo de vida mais comunitário e menos restrito ao templo. As igrejas com desenvoltura nessa prática são aquelas que realizam frequentes atividades com grupos menores, funcionando no âmbito familiar, qualquer que seja a nomenclatura atribuída ao programa. Criam dessa forma condições favoráveis para gerar intensa comunhão, o que pode ajudar bastante a superar o distanciamento em tempo de crise como esse que enfrentamos. Talvez seja necessário reinventar a forma de expressar a comunhão da igreja como preparação para situações semelhantes no futuro. 
Esse ambiente de restrição social causado pelas medidas decorrentes da pandemia, que vem se estendendo ao longo de semanas em vários Estados da Federação, deve ser ainda objeto de cuidadosa reflexão acerca dos impactos que pode causar nas igrejas evangélicas em todo o país. E aqui é pertinente fazer um importante registro: a Igreja como Corpo de Cristo na Terra não se abala nem se detém diante de pandemias, calamidades ou perseguições, mas permanece firme sobre a Rocha, a Pedra de Esquina, na qual está edificada, prevalecendo contra as portas do inferno.   
A Igreja, no entanto, como Corpo Local, constituída por pessoas que se reúnem sob as diversas denominações evangélicas, pode sofrer alguns impactos consideráveis, provocados por essa mudança repentina de comportamento social, que foi imposta a toda sociedade como forma de minimizar os efeitos da pandemia.
O impacto espiritual
O primeiro reflexo que algumas igrejas podem experimentar é o impacto espiritual. Isso diz respeito diretamente aos seus membros, pois cada pessoa reage de forma diferente em face das mesmas circunstâncias. É semelhante à reação de alguns alimentos que passam pela água fervente: a cenoura amolece, o ovo endurece no seu interior, e, o pó de café se mistura à água dando-lhe cor e sabor.
Desse modo é possível que o isolamento social provoque em determinados cristãos maior fervor espiritual. Podem crescer no temor a Deus, aproximando-se do Senhor Jesus por meio de orações, súplicas, leitura e meditação da Escritura, ainda que premidos por certas dificuldades inerentes à pandemia. O calor da provação produz neles o quebrantamento espiritual e a dependência do Senhor Jesus. Certamente precisarão ser trabalhados, visando manter o fervor espiritual mesmo depois que cessar a calamidade.   
Outros cristãos, infelizmente, poderão declinar para o esfriamento espiritual, diminuindo o zelo, a comunhão e até mesmo a fé no Senhor Jesus. Pode ocorrer que se afastem gradativamente do Evangelho, como consequência do distanciamento da vida cristã comunitária, ou ainda, que se tornem pessoas de coração endurecido, resistente e questionador, quanto ao propósito de Deus em meio a essa pandemia que tem ceifado milhares de vidas em todo o mundo. Nesses, o calor da provação gera indiferença, incredulidade e isolamento do Corpo de Cristo. Será necessário esforço para resgatar e restaurar esses crentes à comunhão dos santos.
Temos ainda, para a alegria do Senhor e satisfação da liderança, o grupo dos crentes fiéis. É formado por aqueles cristãos maduros e experimentados na fé, que não se abalam no tempo da adversidade, nem se desanimam no momento da calamidade, mas permanecem firmes e confiantes na direção e provisão que vem de Deus. Aprenderam a ter fartura e também a passar por escassez, sabem desfrutar da alegria dos ajuntamentos solenes e também enfrentar a solidão do isolamento social, pois em toda e qualquer situação o Senhor é Quem lhes fortalece. Para esses, a adversidade é momento oportuno para crescer na fé e compartilhar o amor e a salvação em Cristo a todos quantos puderem falar. Resta-nos ser gratos a Deus por esses crentes que dão o verdadeiro sabor de Cristo a essa geração.
Essas são, de modo geral, algumas das consequências espirituais que podem afetar os cristãos nesse tempo de pandemia. O que realmente vai acontecer com cada Igreja Local, somente será possível avaliar no pós-pandemia, quando for restabelecida a normalidade dos cultos e demais celebrações coletivas presenciais. Cabe a cada líder ter a sensibilidade e o discernimento necessários para compreender o que se passa no coração dos seus liderados, buscando assim suprir as carências espirituais de cada um.

O impacto emocional
Outra consequência inegável da pandemia é o impacto emocional. Não há registro na história recente de tempo como esse em que todas as pessoas ficaram confinadas em suas próprias casas, por longo período, para evitar a contaminação por uma grave doença. Esse recorte temporal deixará marcas emocionais profundas na vida de inúmeras pessoas, que foram tomadas por medo, ansiedade e insegurança, provocadas por uma série de fatores, que vão desde a pouca confiança no cuidado e proteção do Senhor, passando pela falta de orientação adequada para enfrentar esse período, até a nefasta influência de alguns setores da mídia, que diuturnamente divulgam as piores notícias possíveis sobre a pandemia, cumprindo uma agenda política.
A mensuração desse impacto emocional só será possível fazê-la também no pós-pandemia. A partir do momento em que for autorizado o retorno às atividades regulares da Igreja, a ausência de algumas pessoas poderá ser motivada por consequências emocionais provocadas pela pandemia. Não se pode menosprezar o fato de que poderão estar alimentando grande receio de fazer parte dos ajuntamentos, ainda que obedecidas rigorosamente as recomendações das autoridades públicas de saúde no interior dos templos. Será necessário tempo e acompanhamento para que restabeleçam a confiança e retornem à normalidade do convívio social em todos os seus aspectos.
Por outro lado, o conforto, a comodidade e a segurança de participar em casa das celebrações virtuais da igreja poderão concorrer para alimentar certo distanciamento do templo. É bem verdade que muitos preferem a proximidade e o contato pessoal, mas também há pessoas que se comportam de forma diferente, que consideram como suficiente os contatos virtuais e a comunicação à distância, as quais podem facilmente transferir esses conceitos para as ministrações dos cultos pela internet. Lidar com essa situação requer habilidade para comunicar os ensinos da Escritura que ressaltam a importância da comunhão pessoal entre os membros do Corpo de Cristo.   
O impacto financeiro
Outra situação que pode atingir as organizações religiosas é o impacto financeiro. É notório que no combate à pandemia, o comércio em geral foi fechado e foram totalmente suspensas inúmeras atividades públicas e privadas. Isso tem provocado a falência de milhares de empresas e a demissão em massa de milhões de trabalhadores, aumentando drasticamente o número de desempregados que perderam a sua fonte de renda. O reflexo dessa lamentável conjuntura econômica sobre as igrejas é inevitável, pois muitos crentes não poderão continuar contribuindo com dízimos e ofertas nos mesmos valores que faziam antes dessa crise.
Essa perda de arrecadação poderá afetar duramente o custeio e a manutenção das igrejas. Aquelas em que for elevado o número de membros desempregados, com a consequente redução das contribuições, poderão enfrentar várias dificuldades para honrar os seus compromissos, como prebenda pastoral, salário de funcionários, tarifas de energia elétrica, água, telefone, dentre outras. Até mesmo a existência de algumas igrejas poderá ficar comprometida, na medida em que não conseguirem levantar os recursos suficientes para pagar o aluguel do templo.
Tudo isso demonstra que será necessário reorganizar as despesas, reduzir custos e estabelecer prioridades, visando manter a continuidade e o funcionamento da instituição dentro da nova realidade financeira que se avizinha. É preciso pensar que diante dessa crise econômica anunciada, cuja gravidade e repercussão não são totalmente conhecidas, poderá ser necessário prestar assistência material a número elevado de membros e congregados, demandando volume maior de recursos financeiros para a área social.       
Por outro lado, poderá ser necessário também reformular a programação especial das igrejas, como forma de enfrentar o período de crise econômica e manter a realização de vários eventos. As atividades dispendiosas e que oneram financeiramente os membros, como viagens em grupo, encontros em hotéis e jantares em restaurantes, poderão ser substituídas por programas que sejam simples, porém agregam mais pessoas e tenham menor custo. A criatividade e a capacidade de adaptação serão imprescindíveis para superar os desafios financeiros gerados pela pandemia.
A esperança no Senhor Jesus Cristo
Enfim, a pandemia do coronavírus deixará sua profunda cicatriz na história da humanidade, criando um novo tempo em que nada na sociedade poderá ser como antes. As consequências sociais e econômicas geradas pelas medidas restritivas de combate à pandemia certamente lançarão seus reflexos sobre a existência e o funcionamento de diversas igrejas em nosso país. Resta-nos diante dessa calamidade, rogarmos ao Senhor da Igreja para que ajude os membros do Corpo de Cristo a enfrentar as dificuldades com paciência, fé e esperança, na certeza de que o Senhor Jesus Cristo sempre tem o melhor para os seus escolhidos.   


sexta-feira, 10 de abril de 2020

A IGREJA DENTRO DA LEI - Pagamento de Direitos Autorais

Por Adiel Teófilo. 

As igrejas evangélicas se utilizam durante as suas celebrações, com bastante frequência, da apresentação de inúmeras composições musicais. Essas apresentações acontecem no interior dos templos em reuniões públicas, bem como muitas vezes são transmitidas por radiodifusão, televisão ou em redes sociais pela internet.
Diante disso, surge o questionamento se organizações religiosas estariam obrigadas ou não ao pagamento de direitos autorais por execução pública de obras musicais. A dúvida ainda persiste, mesmo diante do fato de que as apresentações musicais ocorrem mediante a participação dos próprios membros da igreja, os quais atuam em grande parte como cantores de forma não remunerada.
Considerações legais sobre os direitos do autor de obra intelectual
Os direitos do autor e os que lhes são conexos estão previstos na Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. São protegidas por essa Lei as obras intelectuais expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, dentre elas as composições musicais que tenham ou não letra.
Ao autor intelectual pertencem os direitos morais e patrimoniais sobre a obra que ele criou. Dentre os direitos morais, os quais são inalienáveis e irrenunciáveis, está o de ter o seu nome, pseudônimo ou sinal convencional indicado ou anunciado, como sendo o do autor, na utilização de sua obra.
No rol dos direitos patrimoniais consta que depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como a reprodução parcial ou integral; a adaptação, o arranjo musical e quaisquer outras transformações; a inclusão em fonograma ou produção audiovisual; a utilização, direta ou indireta, da obra artística mediante execução musical, a exibição audiovisual, cinematográfica ou por processo assemelhado.
Os direitos patrimoniais do autor de obra intelectual perduram por setenta anos contados de primeiro de janeiro do ano subsequente ao de seu falecimento. Após o decurso desse prazo de proteção a obra passa a pertencer ao domínio público, bem assim as obras de autores falecidos que não tenham deixado sucessores, e aquelas obras cujo autor seja desconhecido.  
A par dessas considerações sobre os direitos autorais, cabe tecer alguns comentários acerca do que a Lei denomina de Comunicação ao Público. Estabelece que não poderão ser utilizadas composições musicais ou litero-musicais ou fonogramas, em execuções públicas, sem a prévia e expressa autorização do autor ou titular do direito autoral.
A própria Lei define como execução pública a utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, incluída nesse último caso a transmissão por rede mundial de computadores mediante as plataformas e redes sociais disponíveis.
Nesse sentido, o art. 68, § 3º, da Lei em apreço, assim dispõe:
§ 3º Consideram-se locais de frequência coletiva onde se representem, executem ou transmitam obras literárias, artísticas ou científicas, como teatros, cinemas, salões de baile ou concertos, boates, bares, clubes ou associações de qualquer natureza, lojas, estabelecimentos comerciais e industriais, estádios, circos, feiras, restaurantes, motéis, clínicas, hospitais, órgãos da administração pública direta, autárquica e fundacional, empresas estatais, meios de transporte de passageiro terrestre e aéreo, espaços públicos e comuns de meios de hospedagens e de meios de transporte de passageiros marítimo e fluvial. (sem grifo no original)
Observe que esse dispositivo legal elenca quais são os ambientes considerados como locais de frequência coletiva, onde poderá ocorrer o que se chama execução pública, e, consequentemente, exigir-se a prévia e expressa autorização do autor ou titular do direito autoral. Compreende-se nessa autorização o pagamento relativo aos direitos autorais, cujo comprovante, via de regra, deverá ser apresentado ao escritório central de arrecadação – ECAD, previamente à realização da execução pública.
Proposições legislativas sobre direitos autorais
Importante acrescentar que a Medida Provisória nº 907, de 26 de novembro de 2019, deu nova redação ao dispositivo legal acima transcrito. O texto foi publicado no Diário Oficial da União de 27.11.2019, republicado em 28.11.2019, retificado em 16.1.2020 e retificado em 17.1.2020.
Essa Medida Provisória incluiu o § 9º ao art. 68 da Lei dos Direitos Autorais. A finalidade dessa inclusão foi a de extinguir a cobrança de taxa do ECAD em relação aos quartos de meios de hospedagem, no caso de hotéis e pousadas, bem como quanto às cabines de embarcações aquaviárias, para uso exclusivo de hóspedes.
Desse modo, definiu que não incidirá a arrecadação e a distribuição de direitos autorais, quanto a execução de obras literárias, artísticas ou científicas no interior das unidades habitacionais dos meios de hospedagem e de cabines de meios de transporte de passageiros marítimo e fluvial. Essa matéria era objeto do Projeto de Lei do Senado nº 206, de 2012, cuja proposta foi arquivada em 18 de dezembro de 2019.
Tramitava também naquela Casa o Projeto de Lei do Senado nº 100, de 2011, visando alterar a Lei de Direitos Autorais, para isentar da arrecadação de direitos autorais a execução, por qualquer meio, de obras musicais ou lítero-musicais no âmbito de cultos, cerimônias ou eventos realizados por organizações religiosas, sem objetivo de lucro. Essa proposição legislativa infelizmente foi arquivada em 21 de dezembro de 2018.
Condição diferenciada das organizações religiosas
 As organizações religiosas são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos. A sua criação, organização, estruturação interna e funcionamento são livres, conforme disposto no § 1º do Art. 44, do Código Civil.
No tocante à Lei de Direitos Autorais, constata-se que no rol do § 3º do art. 68, transcrito acima, não estão expressamente incluídos os templos religiosos. De fato, as igrejas não estão mencionadas como locais considerados de frequência coletiva, onde ocorreriam as execuções públicas sujeitas à autorização prévia e expressa do autor, bem como ao pagamento relativo aos direitos autorais.
Não obstante, após a edição da Lei de Direitos Autorais – Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, que alterou, atualizou e consolidou a legislação sobre direitos autorais, surgiram posicionamentos divergentes quanto à obrigatoriedade do pagamento dos direitos autorais pela execução pública de obras musicais nos cultos religiosos.
Prova disso é que na Justificação do Projeto de Lei do Senado nº 100, de 2011, foram delineados os seguintes argumentos fáticos e jurídicos:
Nos termos da Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, para qualquer representação ou exibição pública de obras teatrais, musicais ou lítero-musicais, há a necessidade de autorização do autor ou titular de direito patrimonial do autor, com o respectivo pagamento ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD), independentemente de haver objetivo de lucro.
Essa norma, especialmente se considerarmos a existência de associações desprovidas de fins econômicos, como as de cunho religioso, protege excessivamente o autor ou titular de tais obras, em detrimento do interesse geral da coletividade, criando obstáculos à difusão da cultura e, particularmente, da manifestação religiosa.
Conquanto a jurisprudência venha se inclinando para a tese de inexigibilidade de cobrança de valores quando o evento seja organizado por entidades religiosas, o Ecad, invariavelmente, realiza a cobrança, conduzindo a discussão para a esfera judicial, em nítido prejuízo para os interessados. Para pacificar a controvérsia que ainda hoje paira sobre a matéria, alvitramos isentar do recolhimento de direitos autorais a execução de obras musicais ou lítero-musicais em cultos, cerimônias e eventos organizados por entidades religiosas em que não haja intuito de lucro, direto ou indireto.
Nas palavras de Carlos Alberto Bittar, “há o incontestável interesse coletivo na difusão de obras intelectuais; existe a necessidade de acesso de diferentes camadas populacionais [...] aos textos e obras públicas; e impõese a expansão da cultura como esteio do desenvolvimento geral da nação. [...] Por essa razão é que certos interesses de caráter público têm imposto balizas aos direitos autorais ao longo dos tempos, em todos os países, as quais se refletem no direito positivo, por meio de formulação de regras de exceção, que vêm a mitigar o caráter absoluto da exclusividade conferida ao autor”.
[...]
Em suma, entendemos que, desde que a representação ou execução pública da obra se dê no âmbito de evento destinado à manifestação religiosa e sem finalidade lucrativa, não há por que sujeitá-la à prévia autorização e, especialmente, à arrecadação de valores por parte do Ecad, tendo em vista que os responsáveis não auferirão nenhuma vantagem pecuniária e, portanto, não tirarão proveito econômico algum das obras utilizadas, não havendo, pois, ofensa aos direitos patrimoniais do autor.
Por outro lado, a Exposição de Motivos nº 00024/2019, de 18 de novembro de 2019, subscrita pelos Ministros da Economia, do Turismo, e da Infraestrutura, que referenda a Medida Provisória nº 907, ao tratar da inserção do § 9º ao art. 68, da Lei de Direitos Autorais, conforme comentado acima, apresentou as seguintes considerações:
[...]
9. Ressalta-se que o Ecad arrecada direitos não só de rádio, TV e shows, mas também de bares, academias, clínicas médicas, hospitais, carros de som, terminais de transporte, restaurantes, meios de hospedagem, e até mesmo festas de casamento, festas juninas, quermesses, bem como vídeos e áudios em formatos MP3, MP4 ou assemelhados que transitam no âmbito da internet. Ficam isentas das custas de pagamentos das taxas do Ecad, os eventos particulares em propriedade privada, que não haja cobrança de ingresso, cultos religiosos em geral e eventos com fins educacionais. (grifamos)
 É de se ver que a aludida Exposição de Motivos estriba-se no entendimento de que os cultos religiosos não são abrangidos pelo rol do § 3º do art. 68, da Lei dos Direitos Autorais. Nessa linha de compreensão, as igrejas não estão incluídas nos locais considerados como de frequência coletiva, para fins de execuções públicas de obras musicais sujeitas à autorização prévia e expressa do autor, bem como não estariam sujeitas ao pagamento de direitos autorais.
Diante dessas proposições e o mais que na doutrina consta, pode-se afirmar que o entendimento majoritário inclina-se no sentido de excluir as exposições públicas de obras musicais, no decorrer de cultos religiosos, da obrigatoriedade do pagamento relativo aos direitos autorais dessas obras.
No entanto, convém ressaltar que podem surgir demandas e até mesmo decisões judiciais favoráveis à cobrança do referido pagamento, enquanto não se consolidar o entendimento de que o rol do § 3º do art. 68, da Lei de Direitos Autorais, é taxativo. Isso é, que esse dispositivo elenca expressamente todos os espaços considerados locais de frequência coletiva para os fins que a Lei especifica, não podendo ser interpretado exemplificativamente para abranger os cultos religiosos.
Outra possibilidade é a edição de norma legal alterando a Lei de Direitos Autorais, para excluir expressamente da obrigação do pagamento de direitos autorais, os cultos, cerimônias e eventos promovidos pelas organizações religiosas em que não haja intenção de lucro na execução pública de obras musicais. Isso afastará em definitivo qualquer controvérsia acerca da matéria em pauta.
Aplicações práticas para as organizações religiosas
A par dessas considerações e tomando por base o episódio de que o canal de uma igreja evangélica foi bloqueado no You Tube, por suposta violação de direito do autor de obra musical, convém apresentar algumas orientações que podem ser aplicadas no âmbito das organizações Religiosas.
O referido bloqueio ocorreu mediante notificação de violação de direitos autorais, promovida por usuário na própria plataforma de compartilhamento de vídeos. Na Central de Ajuda da plataforma estão disponíveis diversas informações sobre a reivindicação e avisos de direitos autorais, inclusive quanto ao procedimento para resolução do aviso de direitos autorais. Através desse canal de comunicação, o fato acima referido foi solucionado oportunamente, com os devidos esclarecimentos.
Segue o link da Central de Ajuda:                               
Muito embora seja predominante o entendimento de que as exposições públicas de obras musicais durante os cultos religiosos não estejam sujeitas ao pagamento de direitos autorais, os usuários podem adotar providências durante a utilização das redes sociais que concorram para evitar eventual notificação e bloqueio por suposta violação de direito autoral. Dentre essas providências, podem ser elencadas as seguintes:
a) durante toda a transmissão ao vivo ou gravação dos cultos, exibir o logotipo da denominação, bem como constar a legenda informando que se trata de culto religioso, mencionando expressamente a denominação, visando assim identificar a natureza do conteúdo do vídeo a ser exibido nos aplicativos e redes sociais;
b) ao iniciar o louvor, inserir se possível legenda constando o nome do autor da letra e da melodia de cada obra musical que fará parte do vídeo, a fim de atender o direito moral do autor de ter o seu nome ou pseudônimo indicado ou anunciado durante a utilização de sua obra musical; e,
c) sendo necessário eventualmente exercer a defesa da Igreja no sentido de que não incorreu em violação de direito patrimonial do autor de obra musical, expor como fundamentos as considerações jurídicas apresentadas neste artigo, especialmente o entendimento predominante de que os templos religiosos não se sujeitam ao pagamento relativo aos direitos autorais, por não constar expressamente do rol previsto no § 3º do art. 68 da Lei de Direitos Autorais, que relaciona os ambientes considerados locais de frequência coletiva, onde poderá ocorrer a exibição pública sujeita à prévia e expressa autorização do autor ou titular de direito autoral.
Conclui-se, portanto, que não é pacífico o entendimento de que as igrejas estejam obrigadas ao pagamento de direitos autorais por exibição musical durante os cultos. Entretanto, o entendimento majoritário inclina-se no sentido de isentar as entidades religiosas da obrigação desse pagamento, pelo fato de não auferir lucro a partir da apresentação de composições musicais. Observa-se que na prática o escritório responsável pela arrecadação do pagamento de direitos autorais não tem promovido a cobrança em face das organizações religiosas, por exposição pública de obras musicais durante as celebrações, certamente por entender as peculiaridades dos cultos religiosos.     
           

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

A IGREJA DENTRO DA LEI - Direito de Resposta


Por Adiel Teófilo.

As igrejas evangélicas que são organizadas como pessoa jurídica de direito privado assuem determinadas obrigações, mas também se tornam titulares de direitos que são inerentes às pessoas jurídicas. Dentre as prerrogativas está o direito de resposta ou de retificação, que pode ser exercido em face de matéria divulgada, publicada ou transmitida por veículo de comunicação social, tal como jornal, revista, periódico, dentre outros, seja impresso ou por meio eletrônico. O direito de resposta e o procedimento para o seu exercício estão previstos na Lei nº 13.188, de 11 de novembro de 2015, publicada no Diário Oficial da União do dia subsequente.
As organizações religiosas podem ser alvos de matéria injuriosa, caluniosa ou difamatória. Nesses casos, podem promover o direito de resposta ou retificação diretamente contra o veículo de comunicação social que divulgou, publicou ou retransmitiu a matéria com o conteúdo ofensivo, o que deverá ser feito de forma gratuita e proporcional ao agravo sofrido.
Da matéria considerada ofensiva
A Lei considera como matéria sujeita ao direito de resposta qualquer reportagem, nota ou notícia, cujo conteúdo atente contra a honra, a intimidade, a reputação, o conceito, o nome, a marca ou a imagem, ainda que por equívoco de informação. Não se incluem nessa definição de matéria sujeita ao direito de resposta os comentários realizados por usuários da internet nas páginas dos veículos de comunicação social.
O conteúdo pode ser dirigido tanto contra pessoa física, quanto contra pessoa jurídica, daí abranger as igrejas que possuem personalidade jurídica. A igreja ou a pessoa atingida pode estar explicitamente identificada na matéria ou mesmo implicitamente, desde que seja passível a sua identificação a partir do conteúdo divulgado.   
Do meio de divulgação e da retratação ou retificação espontânea
Para os efeitos da Lei, são alcançados todos os meios ou plataformas de distribuição, publicação, transmissão, utilizados por veículo de comunicação social para divulgar a matéria considerada ofensiva.
No caso de ocorrer retratação ou retificação da matéria de forma espontânea pelo veículo de comunicação social que fez a divulgação, mesmo que sejam conferidos à retratação o mesmo destaque, publicidade, periodicidade e dimensão do agravo, essa providência não impede que o ofendido exerça o direito de resposta, nem prejudica o direito de promover ação judicial visando a reparação por dano moral.
Do prazo e da forma para o exercício do direito de resposta
O prazo para exercer o direito de resposta ou retificação é de 60 (sessenta) dias, contado a partir da data de cada divulgação, publicação ou retransmissão da matéria ofensiva. Não sendo exercido nesse prazo, extingue-se o direito, pois se trata de prazo decadencial. No caso de divulgação, publicação ou transmissão continuada e ininterrupta da mesma matéria ofensiva, o prazo será contado da data em que se iniciou o agravo.
A primeira providência para exercer o direito de resposta é enviar correspondência com aviso de recebimento (AR), diretamente para o veículo de comunicação social que divulgou a matéria. A correspondência deve ser destinada à pessoa jurídica ou pessoa física responsável pelo veículo de comunicação social, independentemente de quem seja o responsável intelectual pelo agravo divulgado.
O direito de resposta ou retificação poderá ser exercido, de forma individualizada, em face de todos os veículos de comunicação social que tenham divulgado, publicado, republicado, transmitido ou retransmitido o agravo original. A pessoa que tem atribuição perante a Lei para exercer o direito de resposta é o representante da organização religiosa. Por isso é importante constar dentre as disposições do Estatuto a figura do representante judicial e extrajudicial da Igreja, o qual deverá ser qualificado na ata de eleição e/ou posse da diretoria da organização religiosa.
Dos critérios na publicação da resposta
A resposta ou retificação deverá atender, quanto à forma e à duração, os mesmos critérios utilizados na publicação da matéria ofensiva. Praticado o agravo através da mídia escrita ou da internet, da mídia televisa ou radiofônica, a resposta ou retificação deverá ter o destaque, a publicidade, a periodicidade, a dimensão ou a duração, da matéria que ensejou a resposta ou retificação, conforme critérios previstos na Lei, sob a pena da resposta ou retificação ser considerada inexistente.     
Na resposta deverão ser observados ainda o alcance e o horário da publicação da matéria ofensiva, e, na delimitação do agravo, considerado o contexto da informação ou matéria que gerou a ofensa. Se o agravo tiver sido divulgado em mídia escrita ou em cadeia de rádio ou televisão para mais de um Município ou Estado, deverá ser conferido à resposta um alcance proporcional ao da divulgação. Além disso, o ofendido poderá requerer que a resposta seja publicada no mesmo espaço, dia da semana e horário do agravo.
Da propositura de ação judicial para o direito de resposta
Caso o veículo de comunicação social não publique a resposta no prazo de sete dias, a contar do recebimento do respectivo pedido, a organização religiosa com o auxílio de um profissional da advocacia poderá propor ação judicial. A ação pode ser proposta tanto no domicílio da igreja ofendida, quanto no lugar onde o agravo apresentou maior repercussão contra a instituição religiosa.
A Lei estabelece que o juiz prolatará a sentença no prazo máximo de trinta dias, contado do ajuizamento da ação, exceto no caso de conversão do pedido em reparação por perdas e danos. No caso de ação temerária, a gratuidade da resposta atribuída ao veículo de comunicação, não abrange as custas processuais nem exime o autor do ônus da sucumbência, nos quais incluem as despesas com a divulgação, publicação ou transmissão da resposta ou retificação, no caso da decisão judicial favorável ao autor da ação ser reformada em definitivo posteriormente.
Destaca-se que o direito de resposta ou retificação não impede do ofendido pleitear em ação própria reparação ou indenização por danos morais, materiais ou à imagem. Assim sendo, o ajuizamento de ação cível ou penal contra o veículo de comunicação ou seu responsável que divulgou a matéria ofensiva não prejudica o exercício administrativo (direito com o veículo e comunicação) ou judicial do direito de resposta ou retificação.
Essas são as principais orientações, extraídas da Lei nº 13.188, de 11.11.2015, que trata sobre o exercício do direito de resposta ou retificação perante os veículos de comunicação social, no caso de divulgação de matéria ofensiva. Ressalta-se que a organizações religiosas podem figurar como ofendidas e consequentemente exercer o direito de resposta conforme as disposições contidas na referida Lei.