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sexta-feira, 12 de abril de 2013

A IGREJA DENTRO DA LEI - Disciplina de Membros e Dano Moral

Possibilidades e cautelas na aplicação de medida disciplinar aos membros de organização religiosa.
 



O processo de democratização vivenciado em nosso país consagrou a ampla liberdade religiosa. É garantido a todos o direito de escolher sua própria convicção de fé, bem como assegurado que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa, conforme artigo 5º incisos VI e VIII da Constituição Federal. Nesse contexto, as organizações religiosas são criadas e organizadas livremente, podendo estabelecer as estruturas administrativas internas e desenvolver as atividades eclesiásticas conforme as suas convicções e costumes, de acordo com o artigo 44 § 1º do Código Civil.
 
A par dessa liberdade de estruturação e de funcionamento, convém analisar a forma de aplicação de disciplina de membros adotada pelas igrejas evangélicas. De modo geral, os diversos sistemas em uso podem ser assim classificados:
 
a) Sistema rígido: utilizado comumente por denominações conservadoras quanto aos usos e costumes, caracteriza-se pela existência de regras costumeiras, ou escritas em estatuto ou regimento interno, cuja violação enseja a aplicação de disciplina pela liderança, conforme a gravidade e as consequências da falta cometida;
 
b) Sistema flexível: distingue-se por não existir procedimento previsto em estatuto para a aplicação de disciplina aos membros, resolvendo-se cada caso individualmente pela liderança ou conselho de líderes, quando julgado conveniente e oportuno, tal como se constata nas denominações mais liberais em relação aos usos e costumes; e,
 
c) Sistema em transição: está presente em igrejas que adotaram sistema rígido e ao longo do tempo estão migrando para o flexível, mediante alteração estatutária ou não, modificando assim os procedimentos e reduzindo os casos sujeitos à aplicação de disciplina. Pode ocorrer o inverso, do flexível para o rígido, porém é raro encontrar igreja que experimenta no atual contexto social o recrudescimento do sistema de disciplina.
 
Essa transição verificada em igrejas que estão abandonando o sistema rígido, mantido durante longo tempo com muito zelo por abnegados Pastores e Membros, pode ser compreendida a partir de alguns fatores. Destacam-se os seguintes: rejeição indiscriminada  aos modelos tradicionais; amoldamento dos líderes e liderados paulatinamente aos usos, costumes e práticas, interpretadas tradicionalmente como contrárias às Escrituras; perda crescente do zelo Bíblico doutrinário pelas novas gerações; redução das diferenças de comportamento entre cristãos evangélicos e a sociedade; declínio da autoridade moral de dirigentes por envolvimento em irregularidades administrativas, financeiras, nepotismo, política partidária e outras práticas incompatíveis com as finalidades essenciais da organização religiosa como IGREJA.
 
Apesar disso, há denominações que se esforçam para manter os padrões de disciplina cristã. No entanto, estão se intimidando perante a mentira, diabólica, de que na atual conjuntura democrática não se pode mais disciplinar ninguém, sob pena de causar dano moral e consequentemente ser obrigado a indenizar a pessoa disciplinada. A verdade não é bem assim! Não é toda e qualquer aplicação de disciplina que indiscriminadamente caracteriza ofensa moral. Até porque existem outras formas de imposição de reprimenda aceitas pela sociedade, e nem por isso ferem a honra ou a dignidade das pessoas.
 
O exemplo clássico nesse sentido é a aplicação pública de penalidade aos atletas durante as competições esportivas. Existe inclusive a possibilidade de qualquer deles ser expulso por desobediência às regras ou pelo cometimento de falta grave, sem que essa medida implique na violação do patrimônio moral dos competidores que foram disciplinados. Isso porque são informados previamente sobre as regras da competição, submetendo-se a elas por livre e espontânea vontade ao participarem das atividades desportivas. Não estão obrigados a competir, porém ao disputar qualquer modalidade deverão seguir o regulamento. É como se diz até entre as crianças durante as brincadeiras: quem entra tem que obedecer as regras. 
 
Essa ilustração ressalta muito bem a necessidade de existir regulamento pré-estabelecido e a possibilidade de exigir posteriormente o cumprimento das regras. Esses aspectos devem estar presentes nas igrejas ao estabelecer ou executar o sistema de disciplina, visando preservar não apenas a doutrina Bíblica, os bons costumes e o elevado padrão de caráter e comportamento cristão, mas também assegurar direitos inerentes aos membros. Porquanto, do ponto de vista espiritual, os membros fazem parte do Corpo de Cristo, mas tocante às relações sociais, integram a organização religiosa, compreendida legalmente como pessoa jurídica de direito privado, titular de direitos e sujeita ao cumprimento de obrigações.  
 
Por essas razões é importante constar no estatuto ou no regimento interno as principais regras sobre a aplicação de medidas disciplinares. Devem ser especificados: o procedimento a ser observado, se oral ou escrito; as sanções que os membros estão sujeitos, tais como advertência, suspensão ou exclusão; e as práticas ou omissões que são consideradas faltas disciplinares, segundo a Bíblia Sagrada e os costumes da igreja. A título de exemplo, segue o rol abaixo, exemplificativo, pois alcança outras condutas que não estão expressamente mencionadas: 
 
Constituem-se faltas disciplinares, dentre outras:
I – faltar sem justa causa às reuniões ou atividades ou descumprir as normas estatutárias ou regimentais da igreja;
II – deixar de observar as doutrinas Bíblicas, usos ou costumes adotados pela igreja;
III - praticar atos condenados pela Bíblia Sagrada tais como prostituição, fornicação, adultério, homossexualismo ou lascívia de todo gênero, inclusive visual ou pornográfica, idolatria, feitiçaria, maledicência, uso de palavra torpe, calar ou faltar a verdade, insubmissão, rebeldia, inimizade, porfia, ciúme, cobiça, ira, discórdia, dissensão, facção, inveja, ingestão de bebida alcoólica ou substância entorpecente, glutonaria ou coisas semelhantes a essas;
IV – descumprir sem justo motivo qualquer obrigação lícita e possível que assumir livremente com pessoa física ou jurídica, seja de direito público ou privado;
V – praticar qualquer ato contrário à ética, aos bons costumes, à dignidade da condição de membro ou que comprometa a reputação da igreja perante terceiros;
VI – praticar ação ou omissão que de qualquer modo constitua descumprimento sem justa causa das disposições legais ou regulamentos vigentes no Brasil ou no exterior, desde que tais disposições não sejam contrárias aos preceitos da Bíblia Sagrada;
VII – colaborar, participar ou cometer infração penal dolosa, por qualquer meio, bem como envolver-se em fato que cause escândalo ou que provoque clamor público.
 
Outro cuidado importante é esclarecer as disposições disciplinares no momento em que as pessoas são admitidas como membro. Não seria justo alguém sofrer uma sanção qualquer sem que previamente tomasse conhecimento das regras disciplinares da igreja. A finalidade primordial deve ser a prevenção ao cometimento das faltas, não simplesmente a repressão por meio das punições aplicadas aos faltosos. Convém ainda fornecer aos membros, sempre que possível, cópia do estatuto, regimento interno ou resumo, contendo todas as regras sobre o assunto, visando garantir ampla publicidade e evitar a alegação posterior pelo disciplinado de que não conhecia as normas.  
 
Na admissão de membros que são absolutamente incapazes civilmente, deverá ser obtida  autorização do representante legal, seja pai, mãe, tutor ou responsável. O artigo 3º do Código Civil enumera os casos em que as pessoas são impedidas de exercer pessoalmente os atos da vida civil por incapacidade absoluta, quais sejam: “I - os menores de dezesseis anos; II - os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos; III - os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.”. Desse modo, para que as decisões tomadas pelo absolutamente incapaz tenham validade, o consentimento do representante legal é indispensável, podendo ser anuladas a admissão, aplicação de disciplina ou qualquer obrigação assumida pelo incapaz sem a observância dessa formalidade. 
 
Essa autorização do representante legal deve constar no estatuto como exigência para admissão de membros. Na hipótese de ser concedida oralmente, convém registrá-la em ata, com a assinatura do representante legal. Deve constar também no estatuto todos os demais requisitos exigidos pela igreja para o ingresso de alguém no corpo de membros, tais como: possuir idoneidade moral, ética, sexual, familiar e social, conforme os preceitos da Bíblia Sagrada; cumprir os deveres de membro; acatar a doutrina, usos, costumes, regras disciplinares e demais disposições estatutárias e regimentais da organização religiosa. Essas providências evitam aborrecimentos futuros. 
 
No que concerne à prática da aplicação de disciplina propriamente dita, ressalta-se que o procedimento previsto no estatuto ou regimento interno deve ser cuidadosamente seguido pela liderança. O objetivo é assegurar a validade da medida aplicada, para não ensejar questionamentos posteriores, inclusive judicialmente. Se o procedimento for escrito, cada etapa deve ser cumprida e devidamente reduzida a termo, manuscrito em livro próprio ou impresso por computador. Se a previsão é de procedimento oral, a síntese do que for tratado e decidido em reunião deverá constar em ata. As assinaturas dos responsáveis pela apuração e da pessoa disciplinada devem constar em todos os documentos pertinentes.      
 
Não pode faltar também em qualquer dessas hipóteses, a oportunidade para o membro apresentar sua defesa. Noutras palavras, não pode ser punido sem antes ser ouvido sobre a falta que lhe é imputada. Essa providência é tão importante para a vida em sociedade democrática, que foi inserida como garantia fundamental no artigo 5º da Constituição Federal: LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerente;” (grifei). Assim sendo, deve ser assegurado ao membro o direito de exercer sua defesa, utilizando todos os meios lícitos e possíveis, antes de lhe ser aplicada qualquer sanção disciplinar.
 
A maior cautela em todo esse processo está relacionada diretamente à privacidade do membro disciplinado ou submetido a procedimento de apuração perante a igreja. É de se reconhecer que nesses aspectos vários excessos foram cometidos no passado, com a exposição pública exagerada da intimidade das pessoas, principalmente quando envolvidas em pecados de natureza sexual. Não é sem razão que a Constituição Federal no artigo 5º preconiza os seguintes direitos fundamentais: “X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.
 
Desse modo, a disseminação de comentários e manuscritos ofensivos ou fotografias e documentos sem respeitar a intimidade, privacidade, honradez ou a imagem das pessoas perante a sociedade, pode caracterizar dano moral. O responsável pela ofensa poderá se sujeitar ao pagamento de indenização por ordem do Poder Judiciário, mediante ação própria intentada pelo ofendido, visando compensar o abalo emocional e o constrangimento que sofreu perante as pessoas.  
  
Essas garantias Constitucionais não impedem a aplicação de disciplina aos membros. É perfeitamente possível conciliá-las com os reais propósitos do cristianismo, na medida em que estabelecem limites obrigatórios a serem observados no procedimento disciplinar, de modo a não ofender a dignidade e a honra subjetiva das pessoas perante a coletividade, ainda que tenham cometido pecado de graves consequências diante da Lei de Deus.
 
Por isso, o processo de apuração, decisão e divulgação de sanção disciplinar aplicada, devem se restringir à liderança, comissão de disciplina designada ou assembleia encarregada de tratar o assunto, conforme previsto no estatuto ou regimento interno. Em qualquer desses casos, cada um é responsável pessoalmente por eventual divulgação que fizer a terceiros acerca dos fatos que tomou conhecimento na igreja, durante as reuniões da liderança, comissão de disciplina ou assembleia, pois quem sai comentando abertamente as faltas que foram tratadas internamente poderá causar dano moral contra a pessoa disciplinada e ser chamado a responder pelo pagamento de indenização.
 
Enfim, observadas as regras, procedimentos e cautelas acima comentadas, não há o que temer quanto a prática da aplicação de disciplina aos membros nas igrejas evangélicas. Porquanto, estarão asseguradas todas as garantias constitucionais àquele que eventualmente for disciplinado, não podendo ser imputada à igreja nenhuma responsabilidade por dano moral.       
Adiel Teófilo   

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