Por - Augustus Nicodemus Lopes
O motivo principal é a atitude que os aderentes do
método gramático-histórico têm para com a Bíblia. Os que adotam esse método
geralmente seguem pressupostos para com as Escrituras, no todo ou em parte, que
estão ligadas ao Cristianismo histórico e à Reforma protestante. Como
reformado, por definição me inclino para esse método. Para os que não estão
familiarizados com essa nomenclatura, o método gramático-histórico é o nome que
se dá ao sistema de interpretação oriundo da Reforma, cujos proponentes se
caracterizam pelas seguintes atitudes (entre outras) para com a Bíblia:
1) Recebem-na como Palavra de Deus, inspirada,
autoritativa, infalível, suficiente e única regra de fé e prática. Assim,
desejam submeter-se a ela, pois a consideram como estando acima de suas
tradições e confissões.
2) Entendem que ela, como texto, tem somente um
sentido, que é aquele pretendido pelo autor humano inspirado. Esse sentido é
geralmente o sentido natural e óbvio do texto. E para descobri-lo, acreditam
que ela é a sua melhor intérprete. Por conseguinte, dedicam-se a estudá-la, pois
também reconhecem que ela foi escrita por homens de cultura e língua diferentes
vivendo em momento histórico também diferente.
3) Professam que a mensagem central das Escrituras é
clara a todos, e que seus pontos essenciais são suficientemente revelados, de
forma que, pelo uso dos meios normais, qualquer pessoa, sob a iluminação do
Espírito, pode ter conhecimento salvador dessa mensagem.
4) Reconhecem que as diferenças doutrinárias que
existem entre si próprios são decorrentes, não de erros ou contradições das
Escrituras, mas da incapacidade deles, causada pelo pecado e pelas limitações
humanas, de compreender perfeitamente a revelação perfeita de Deus.
5) Esforçam-se para continuamente rever seus
pressupostos teológicos e características denominacionais à luz das Escrituras.
Entretanto, não rejeitam o legado hermenêutico das gerações anteriores.
Essa atitude interpretativa para com a Bíblia tem
sido chamada de gramático-histórica porque considera importante para seu
entendimento tanto a pesquisa do sentido das palavras (gramma, em grego) quanto
a compreensão das condições históricas em que foram escritas. Apesar de sua
idade avançada e das críticas que tem recebido, ainda prefiro esse método de
interpretação, por várias razões.
Primeira, mais que qualquer outro sistema
hermenêutico, ele honra as Escrituras. Ele parte de um alto apreço pelas
Escrituras e seus atributos, como inspiração, autoridade, infalibilidade,
coerência e suficiência. As escolas alegóricas de interpretação sempre
consideraram, em alguma medida, irrelevante a historicidade das narrativas
bíblicas, e se interessaram pelo pretenso sentido oculto atrás delas. O método
histórico-crítico, surgido ao final do século 17, partindo de suas
pressuposições racionalistas, reduziu a Bíblia ao registro da fé de Israel e
dos primeiros cristãos, negando sua inspiração e infalibilidade. As novas
hermenêuticas centradas no leitor, com seu relativismo, negam a autoridade e
infalibilidade das Escrituras e transformam o leitor em autor, pois é ele que
determina o sentido.
A hermenêutica do neo-misticismo evangélico desonra
as Escrituras submetendo-a à autoridade dos espirituais e iluminados.
Segundo, mantém em equilíbrio a tensão entre oração
e labuta no estudo da Bíblia. Os praticantes do método gramático-histórico
sempre procuraram manter em equilíbrio a espiritualidade e a erudição no labor
teológico, especialmente aqueles comprometidos com o método
gramático-histórico, adotando o binômio orare et labutare: Orare, porque a
Bíblia é divina, porque somos pecadores, porque Deus é muito diferente de nós.
Pela oração buscamos a iluminação do Espírito. Labutare, porque a Bíblia, como
literatura produzida por seres humanos num determinado contexto, numa outra
cultura e numa outra época, é humana, e está distante de nós, o que provoca a
necessidade de estudo. A interpretação alegórica neo-mística descuida do
labutare – tudo o que o intérprete precisa é ser homem de oração, jejuar e
aguardar iluminação do Espírito – provocando interpretações absurdas,
cabalísticas e místicas. O método histórico-crítico tende a esquecer o orare –
tudo o que o intérprete precisa é ser um especialista nas diversas críticas
literárias – provocando intelectualismo árido e seco. As novas hermenêuticas
tendem a esquecer as duas coisas. Por que orar e estudar, já que a
interpretação é resultado da fusão de horizontes entre o leitor e o texto e se
o sentido é determinado inexoravelmente pelas estruturas da linguagem? Ou, se
não há um único sentido, mas muitos e diferentes e todos igualmente válidos?
Terceiro, o método gramático-histórico preserva a
objetividade na interpretação. Os seus proponentes, mesmo admitindo que haja
partes difíceis de entender na Bíblia, sempre afirmaram que a sua mensagem
central é clara. Assim, foram capazes de elaborar confissões, credos e
teologias. O método gramático-histórico parte do princípio que Deus se revelou
proposicionalmente nas Escrituras e que esta revelação pode ser entendida,
sintetizada e transmitida. Quando digo que Deus se revelou proposicionalmente,
refiro-me ao fato de ele nos fala através de declarações, sentenças, frases.
Setores do método histórico-crítico e das novas hermenêuticas defendem que Deus
não se revelou de forma proposicional, mas através de histórias, poesias,
experiências. Para eles, não existe um sistema doutrinário revelado na Bíblia,
e conseqüentemente, não se pode sintetizar os resultados da interpretação – não
se pode ter teologia.Toda interpretação é subjetiva, provisória, contextual e
temporária. Nunca se pode afirmar que sabemos a verdade que a Bíblia ensina.
Por último, a escola gramático-histórica de
interpretação produziu grandes pregadores e grandes expositores bíblicos, mais
que as outras. O método histórico-crítico, por exemplo, costuma produzir mais
professores acadêmicos do que grandes pregadores. Já o método alegórico e as
novas hermenêuticas produzem contadores de experiências, visto que não lhes
interessa o conteúdo teológico, doutrinário e práticos das Escrituras.
Em conclusão, eu diria que um retorno ao uso
coerente do método gramático-histórico pode ser crucial para uma reforma no
protestantismo brasileiro, como foi na igreja do século XVI. A ferramenta
principal dos reformadores foi uma postura para com a Bíblia e uma leitura que
rompeu com os métodos alegóricos medievais. Foi esta atitude para com a Bíblia
que consolidou a Reforma. Acredito que a crise de identidade que vive o
evangelicalismo brasileiro tem como uma das principais causas a falta de
consistência e coerência no emprego do método de interpretação que sempre
acompanhou o Cristianismo histórico.
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