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segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

A IGREJA DENTRO DA LEI - Legitimidade das Doações dos Fiéis

Por Adiel Teófilo.

Requisitos legais de validade das doações dos fiéis e os vícios que podem causar a anulação dessas doações.

É de conhecimento geral que as igrejas evangélicas costumeiramente pedem aos seus fiéis que contribuam com dízimos e ofertas, além de outras formas de doação. O principal argumento que se utilizam para justificar esses pedidos é a necessidade de manter o funcionamento das atividades regulares da igreja, custeando as despesas de manutenção, limpeza e conservação, bem como a remuneração dos seus líderes e de funcionários contratados, dentre vários outros encargos eclesiásticos.

Não obstante ser muito comum essa prática, a reflexão sobre a legitimidade dessas doações conduz inevitavelmente a alguns questionamentos, tais como: será que todas as doações efetuadas pelos fiéis são juridicamente válidas? As igrejas podem empregar quaisquer meios para pedir doações? As entidades religiosas podem se utilizar livremente dos bens e valores doados para qualquer finalidade, inclusive para fins diferentes daquele que foi apresentado quando se pediu os dízimos e as ofertas? Essas indagações serão respondidas mediante uma abordagem eminentemente jurídica, e não teológica, pois o presente estudo enfoca o cumprimento da lei por parte das igrejas evangélicas.
  
Desse modo, importante considerar que as ofertas, dízimos e demais contribuições, sejam em dinheiro, bens móveis ou imóveis, que os fiéis doam para as igrejas, caracterizam-se juridicamente como contrato de doação. Essa espécie contratual está conceituada no art.538, do Código Civil - Lei nº 10.406, de 10/01/2002, que assim preconiza: Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”. Ressalta-se que todos os artigos doravante mencionados são do Código Civil de 2002.

Diante disso, essa relação contratual no âmbito das igrejas precisa ser analisada sob dois ângulos diferentes: de um lado, a conduta da entidade religiosa que pede e aplica as doações, e, de outro, a condição da pessoa que faz a doação e a natureza dos seus bens e valores que serão doados. É bem verdade que sem as duas partes, doador e donatário (pessoa que recebe a doação), o processo não se completa, porém há aspectos relevantes que precisam ser considerados separadamente, visando compreender melhor a regularidade das doações destinadas às igrejas.

Iniciemos pela condição do doador. Indaga-se: toda pessoa pode doar o que bem quiser? A resposta mais comum é sim. Dizem que a pessoa pode doar tudo, desde que esteja doando aquilo que lhe pertence. No entanto, do ponto de vista legal, para que a doação tenha validade como negócio jurídico é necessário que atenda aos requisitos previstos em lei. O primeiro desses requisitos é a capacidade civil, prevista no art. 104, inciso I. Significa dizer que a pessoa do doador deve ter pelo menos 18 anos completos, quando então fica habilitada para a prática de todos os atos da vida civil, conforme art. 5º, podendo figurar normalmente como doador dos seus bens.

Surge então a seguinte pergunta: como ficam as ofertas em dinheiro entregues nas igrejas por crianças, adolescentes e jovens menores de 18 anos? A resposta requer a análise da capacidade civil do doador. Vejamos. Os menores de 16 anos são considerados absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, de acordo com o art. 3º. Qualquer negócio jurídico por eles eventualmente celebrado é considerado nulo, de nenhuma validade, consoante art. 166, inc. I. Logo, não podem agir sozinhos como doadores. Precisam da figura do representante para atuar em nome deles.


Quanto aos maiores de 16 e menores de 18 anos, ainda não emancipados, são considerados relativamente incapazes no tocante a certos atos da vida civil ou à maneira de exercer esses atos, segundo regra do art. 4º, inc. I. O negócio por eles praticado é anulável, pode ser anulado, conforme art. 171, inc. I. Isto é, o negócio permanece válido a partir de sua celebração, contudo pode ser anulado em razão da falta da capacidade civil plena. Por isso, não podem igualmente atuar sozinhos como doadores. Devem ser assistidos por alguém que seja civilmente capaz.

A fim de proteger o interesse dos menores, o art. 1.630 estabelece que os filhos estão sujeitos ao poder familiar exercido pelos pais enquanto menores de 18 anos de idade. Por essa razão, o art. 1.534, inc. VII, confere aos pais plenos poderes, tanto para representar os filhos menores 16 anos, quanto para assistir os maiores de 16 e menores de 18 anos. Isso, em todos os atos da vida civil que se fizerem necessários, a fim de suprir o consentimento que esses menores não podem validamente expressar na celebração de qualquer contrato.

Aplicando esses conceitos ao cotidiano das igrejas, podemos constatar o seguinte. Os pais ou responsáveis, via de regra, presenciam as liturgias nas igrejas e têm não apenas o conhecimento, mas também manifestam o consentimento, ainda que de forma tácita, quanto às doações efetuadas por seus filhos menores. Não raras vezes, os próprios pais lhes fornecem esses recursos financeiros, ensinando-os na prática da liberalidade, generosidade e amor ao próximo. Assim sendo, inevitável é concluir que as pequenas ofertas e contribuições em dinheiro, apresentadas nas igrejas por crianças e adolescentes, são doações juridicamente válidas. O cuidado que se deve ter é quando a doação é notoriamente de grande valor e o menor não se faz acompanhar do seu representante ou assistente legal.

Ainda sob o ângulo do doador está a apreciação referente à natureza dos bens e valores que são doados. E aqui entra o segundo requisito para que o negócio jurídico seja realmente válido: o objeto da doação deve ser lícito, possível, determinado ou determinável, conforme art. 104, inc. II. O ato negocial que não cumprir esse requisito será consequentemente nulo, sem validade jurídica, consoante art. 166, inc. II. Assim sendo, objeto lícito é aquele que está de acordo com a lei, a moral e os bons costumes. Decorre disso que o bem ou valor a ser doado não pode ser de origem ilícita, a exemplo de dinheiro proveniente de furto, roubo ou tráfico de drogas. Obviamente que não se questiona a origem das pequenas importâncias em dinheiro ofertadas nas igrejas, entretanto não se pode aceitar ofertas vultosas sem questionar sua procedência, sob pena de estar concorrer para a prática de crime.

No que concerne ao objeto ser possível, trata-se daquele que é realizável, praticável, pois não se pode doar aquilo que é impossível de se transferir para o patrimônio de outra pessoa. Exemplo disso é doar um terreno no céu. Objeto determinado é aquele que pode ser estipulado, especificado, pelo gênero, quantidade e qualidade, como a doação de certo veículo. Determinável é o objeto incerto, descrito apenas por elementos mínimos quanto ao gênero e quantidade, para individualização no futuro, como doar parte de uma safra de cereais sem saber da qualidade do grão.

Além desses requisitos referentes ao objeto da doação, existem normas que limitam o volume total de bens ou valores a serem doados. É o caso do art. 548, que considera nula a doação de todos os bens do doador, sem que reserve para si uma parte de bens ou renda que sejam suficientes para a sua própria subsistência. Por isso não terá validade a doação integral de salário ou aposentadoria se o doador depender disso para sobreviver, podendo ser exigida a restituição dos valores. 

Outra limitação é a do art. 2.007, que estabelece a possibilidade de reduzir as doações quando constatar que o doador se excedeu quanto aos bens que realmente poderia dispor. Esse preceito tem por finalidade proteger inclusive o direito dos herdeiros necessários (descendentes, ascendentes e cônjuge), pois a eles pertence de pleno direito a metade dos bens da herança, conforme preceituam os art. 1.845 e 1.846. Nota-se, em face dessas normas legais, que o doador não pode simplesmente doar tudo o que possui, atitude que não deve ser aceita nem incentivada pelas igrejas por ser contrária à lei.

O terceiro requisito para a doação ter validade como negócio jurídico é que obedeça a forma que a lei prescreve ou a forma que a lei não proíbe para a sua realização, segundo o art. 104, inc. III. O art. 541 determina que a doação será feita por meio de escritura pública, como é o caso dos imóveis, ou instrumento particular, no caso de bens móveis. O Parágrafo único do art. 541 assegura que a doação verbal será válida, quando se tratar de bens móveis de pequeno valor e o doador entregar de imediato o bem doado para o donatário. Por essa razão são perfeitamente válidas as doações de objetos, utensílios e outros bens móveis de pequeno valor que os fieis fazem em favor das igrejas sem qualquer documento escrito.   

Vamos analisar agora a conduta da entidade religiosa que pede e aplica as doações. As igrejas possuem ampla liberdade para estabelecer a sua forma de organização, sua estruturação interna e o seu modo de funcionamento, conforme art. 44, § 1o. Com suporte nesse dispositivo, as igrejas são livres também para definir a maneira mais conveniente e oportuna de pedir as doações, seja em dinheiro, bens ou valores. Todavia, por se estabelecer na doação um contrato, os participantes dessa relação contratual (o fiel como doador e a igreja como donatária) estão obrigados a guardar, tanto no momento da celebração do contrato quanto na sua execução, os princípios de probidade e boa-fé, por força do art. 422.  Lembrando que probidade é honestidade, retidão ou integridade de caráter, e, boa-fé é sinceridade, lisura e confiança recíproca entre as partes.

Percebe-se em vista desses princípios que não basta a simples manifestação de vontade do doador, no sentido de doar um bem ou valor para a igreja, para que a doação se torne definitivamente válida. É necessário que não ocorram vícios que afetam a livre declaração de vontade nem a boa-fé do doador. Porquanto, esses vícios constituem defeitos do negócio jurídico e podem acarretar a anulação e o consequente desfazimento da doação, além de gerar para a igreja a obrigação de reparar eventuais perdas e danos.

Dentre os vícios que maculam a livre manifestação de vontade, o que mais ocorre em determinadas igrejas é a coação. De acordo com o art. 151, a coação capaz de viciar a declaração de vontade é a que chega ao ponto de incutir o fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família ou aos seus bens. Não é difícil entender essa regra jurídica quando confrontada com os rituais de certas organizações religiosas, que frequentemente se utilizam de meios de coação para angariar mais contribuições. 

Lamentavelmente, existem nos vários tribunais em nosso país diversas ações judiciais condenando essas igrejas ao pagamento de indenizações ou obrigando-as a restituir os bens e valores doados. Isso, por terem coagido seguidores a doarem seus bens em troca de bênçãos ou de proteção espiritual. Nesses locais as pessoas podem ser coagidas a doar dinheiro e bens mediante violência psicológica tão ampla e profunda, inclusive sob a pena de padecer doenças, sofrimentos e perdas materiais, que anula completamente a sensatez e o bom-senso na manifestação de vontade do doador. Resta apenas pleitear judicialmente a anulação da doação efetuada nessas circunstâncias.

Outro problema grave é a destinação dos bens que foram doados, pois nem sempre as igrejas utilizam o dinheiro exatamente nos fins para os quais pediram as doações. Os fiéis em alguns casos são enganados e iludidos pelas falsas necessidades de manutenção da igreja, quando na verdade seus líderes desviam recursos, formam patrimônio pessoal invejável, constroem obras faraônicas incompatíveis com os fins da igreja, compram emissoras de televisão, realimentando desse modo a máquina de pedir doações por meio do marketing televiso. Uma investigação apurada pode comprovar até mesmo a prática de crimes, como já ocorreu antes em nosso país. 

Diante de todo o exposto, cabe aos doadores o bom senso e o discernimento necessários para avaliar a imparcialidade dos métodos utilizados na coleta de ofertas e contribuições, bem como analisar se a igreja aplica adequadamente os recursos financeiros que são doados. Quanto às igrejas, cabe adotar alguns cuidados ao pedir as doações, além de observar os requisitos legais exigidos no contrato de doação, conforme explanados acima, visando não incorrer em práticas que podem ocasionar a invalidade das doações e consequentemente a sua anulação. Todas essas observações são importantes, para evitar os pavorosos escândalos que ecoam quando as igrejas são chamadas a responder por demandas judiciais que pleiteiam a devolução de bens ou valores que foram doados por fiéis. Enfim, a igreja precisa atuar dentro da lei.   

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