As
organizações religiosas são constituídas com a precípua finalidade de promover atividades
de culto e de assistência eclesiástica aos seus fiéis. As suas ações e
programas não podem possuir fins lucrativos, em razão da sua própria natureza
jurídica, sob pena de incorrer em flagrante desvio de finalidade. No entanto, existem
igrejas que desenvolvem atividades comerciais, paralelamente à programação religiosa.
Essas igrejas estão fugindo completamente das finalidades institucionais para
as quais foram criadas.
É
bem verdade que algumas atividades são
realizadas de forma eventual e sem qualquer estrutura que caracterize empreendimento
comercial. Exemplo disso ocorre ao final de alguns cultos religiosos, quando é
montada uma pequena mesa ou balcão improvisado, no qual são vendidos salgados,
sucos, sorvetes e lanches em geral. Além disso, instalam-se também estandes
para a venda de Bíblias, livros, CDs, DVDs e artigos evangélicos diversificados.
A arrecadação com essas vendas eventuais tem se tornado em alternativa comum
como fonte de receita para atender necessidades da própria igreja.
Esse
tipo de venda improvisada, dentro da
ótica de razoabilidade, pode até não se caracterizar como empreendimento comercial,
considerando critérios de eventualidade, improvisação e volume inexpressivo de mercadoria
comercializada. No entanto, a partir do momento em que essa prática deixa de
ser eventual e se torna habitual, aumentando consideravelmente a quantidade de
mercadoria comercializada, com o consequente aumento da receita, a igreja
poderá incorrer numa espécie de comércio
ambulante no templo.
Logicamente
que essa modalidade não é praticada nas vias públicas, como se vê entre os ambulantes
em nosso país. Entretanto, a comercialização é realizada no interior do templo
ou nas suas dependências, o que equipara
a igreja aos vendedores ambulantes, pois
está praticando também trabalho informal, ainda que seja voluntária a
mão-de-obra das pessoas envolvidas no negócio e o lucro revertido integralmente
para a igreja.
Percebe-se
que esse tipo de comércio é atividade que definitivamente não se amolda aos
fins estatutários que identificam a organização religiosa. Não é de sua alçada incentivar e nem manter trabalho informal em suas dependências.
E aqui talvez reside a maior dificuldade de certas igrejas, que é administrar dízimos
e ofertas voluntárias para a sua subsistência, sem a necessidade de se recorrer
sistematicamente a meios extra bíblicos para a sua mantença. É de se reconhecer
também, por outro lado, que grande parte dos membros e congregados não aprendeu
ainda a contribuir com a instituição religiosa que participa, muito embora
usufrua dos benefícios espirituais e sociais que ela proporciona.
Diante
desse cenário, convém ressaltar que a Lei Complementar nº 128, de 19 de dezembro de 2008, criou a figura jurídica do microempreendedor individual (MEI), alterando as disposições da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro
de 2006, que instituiu o Estatuto Nacional da Microempresa (ME) e da Empresa
de Pequeno Porte (EPP). Assim dispõem o art.
18-A, e § 1o, dessa Lei
Complementar:
Art. 18-A. O
Microempreendedor Individual - MEI poderá optar pelo recolhimento dos impostos
e contribuições abrangidos pelo Simples Nacional em valores fixos mensais,
independentemente da receita bruta por ele auferida no mês, na forma prevista
neste artigo.
§ 1o Para
os efeitos desta Lei Complementar, considera-se MEI o empresário individual a
que se refere o art. 966, da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), que tenha auferido receita bruta, no
ano-calendário anterior, de até R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), optante pelo
Simples Nacional e que não esteja impedido de optar pela sistemática prevista
neste artigo.
A supracitada Lei criou facilidades de registro e condições
especiais para que o trabalhador informal pudesse se regularizar, tornando-se desse
modo empresário individual. A iniciativa foi no sentido de formalizar empreendimentos
e negócios, afastando da informalidade inúmeras situações existentes no país, a
exemplo de vendedores ambulantes e pequenos comércios que funcionam em
residências. Logo, não é razoável que uma
organização religiosa continue a fomentar o trabalho informal em suas
dependências, contrariando dessa forma o espírito da lei que visa
justamente combater a informalidade.
Noutro
giro, há situações que ultrapassam as características
de microempreendedor individual, conforme acima delineado. Existem igrejas
que organizaram em suas dependências cantina,
lanchonete ou restaurante, e/ou livraria, dentre outras atividades, que funcionam
de forma permanente e com infraestrutura, equipamento e mobiliário de estabelecimento
comercial. A mão-de-obra das pessoas que atuam nesses locais geralmente é voluntária
e todo lucro revertido para a organização religiosa.
Nesses
casos, podemos tomar como parâmetro de avaliação o limite financeiro fixado
pela Lei Complementar em pauta. O § 1o do
art. 18-A, acima transcrito, estabelece que para usufruir da condição
de microempreendedor Individual (MEI), a receita
bruta anual não pode ser superior a R$ 60.000,00, o que equivale a R$ 5.000,00
ao mês. Diante desse limite, salvo melhor juízo, podemos considerar que a
igreja que realiza comércio nas suas dependências se enquadrada em uma das duas
situações abaixo descritas:
a) a
igreja incorre na prática de comércio informal, quando a receita bruta com as
vendas não ultrapassa R$ 5.000,00 ao mês. Pelo fato de atuar
livremente no mercado sem a necessária regularização, estará usurpando da condição
e benefícios concedidos a microempreendedor individual (MEI), como facilidades
de registro e isenção de tributos; e,
b) quando
a receita bruta com as vendas ultrapassa R$ 60.000,00 ao ano, a igreja está desenvolvendo
irregularmente atividade de microempresário. Estará usurpando da condição
e benefícios atribuídos a microempresa, em razão de atuar também livremente no
mercado sem qualquer regularização junto aos órgãos competentes.
Nessa última situação, a organização religiosa estará praticando
também uma espécie de concorrência
desleal. Os comerciantes em geral, para exercerem a atividade como microempresário,
além dos registros públicos e autorizações exigíveis, precisam pagar
regularmente os impostos exigidos por lei. As igrejas, por sua vez, estarão desenvolvendo
a mesma atividade, sem o recolhimento de qualquer tributo, gerando assim
vantagem indevida para as igrejas em detrimento dos comerciantes locais.
Acrescenta-se que a definição
de microempresa consta do art. 3º, da
sobredita Lei Complementar. Para ser considerada microempresa, além de estar
devidamente inscrito no Registro Público de Empresas Mercantis ou no Registro
Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, o empresário, a empresa individual
de responsabilidade limitada, a sociedade simples ou a sociedade empresária, deve
auferir receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 ao ano. Caso a receita
bruta anual ultrapasse esse valor, as formas de organização empresarial anteriormente
citadas passam a ser consideradas como empresa
de pequeno porte.
A par de todos esses argumentos, podemos apresentar as seguintes conclusões, a respeito da prática de comércio
realizada nas dependências dos templos religiosos:
1ª) Venda
improvisada: é o comércio eventual, totalmente improvisado, com pequeno volume de mercadoria
comercializada e baixa arrecadação financeira;
2ª) Comércio informal
equiparado à condição de microempreendedor individual: é o comércio habitual,
com volume considerável de mercadoria vendida e receita bruta até o limite de R$
60.000,00 ao ano, ou R$ 5.000,00 ao mês; e
3ª) Comércio
irregular característico de microempresa: é a atividade econômica que aufere receita
bruta anual superior a R$ 60.000,00, até o limite máximo de R$ 360.000,00 ao
ano.
Por
fim, importante destacar que dentre as hipóteses acima descritas, as duas
últimas denotam o completo desvio de finalidade da organização religiosa que se
dedica ao comércio. Nessas hipóteses, caso seja
necessária ou conveniente a comercialização de produtos, o ideal é dar oportunidade para o particular
explorar a atividade comercial. Isso pode ser feito mediante a celebração de
contrato que assegure retribuição proporcional pela utilização do espaço, além
de cobrir as despesas com o consumo de água, energia elétrica e manutenção das instalações
prediais. A igreja precisa funcionar dentro da legalidade, evitando a prática
do comércio clandestino nos templos, servindo dessa forma de exemplo para a sociedade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário